Conforme os pensamentos de André Bazin e seu famoso Mito do Cinema Total, a sétima arte foi concebida com a missão de capturar a realidade em sua totalidade. Esta busca pela representação verossímil da realidade sempre foi uma necessidade intrínseca à humanidade, manifestando-se através da arte ao longo da história, desde os retratos do século XVIII até as fotografias do século XIX e, por fim, a imagem em movimento do século XX. Nesse contexto, é comum depararmos com o cinema naturalista, que se propõe a examinar o mundo sob uma ótica mais realista. Este gênero cinematográfico, que se consolidou como uma vertente do cinema brasileiro ao longo das décadas, destaca-se por sua abordagem autêntica e sua representação do agreste, uma região árida e semiárida situada no interior do estado de Pernambuco. O naturalismo pernambucano tem como objetivo retratar a vida e a cultura das pessoas que habitam essa região de forma genuína, muitas vezes evidenciando os desafios enfrentados pela população. Isso se reflete não apenas na escolha das temáticas abordadas, mas também na decupagem e na representação de personagens.
O cinema naturalista pernambucano se concentra em mostrar as condições de vida das pessoas que habitam o agreste, incluindo os desafios econômicos, sociais e ambientais que enfrentam. Isso muitas vezes inclui a representação de temas como a seca, a migração, a pobreza e a religião. O naturalismo pernambucano faz parte do movimento cinematográfico brasileiro mais amplo conhecido como Cinema Novo, que se desenvolveu nas décadas de 1960 e 1970 e tinha como objetivo retratar a realidade brasileira de forma crítica e autêntica. Muitos cineastas buscaram mostrar para o mundo as realidades vividas pelo povo culturalmente mais rico do Brasil, filmes como Os Fuzis de Ruy Guerra, O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro de Glauber Rocha e Vidas Secas de Nelson Pereira dos Santos traziam em forma e conteúdo um cinema rico e crítico.
Diante disso, o longa-metragem “Agreste”, dirigido por Sérgio Roizenblit e exibido no Cine PE 23, narra o conflito entre a intolerância religiosa e a moral em uma história de amor e liberdade protagonizada por Etevaldo, um trabalhador rural, e Maria, uma jovem prometida a um casamento arranjado. Apaixonados, eles fogem juntos pelo sertão e acabam se abrigando na casa de Valda, uma mulher extremamente religiosa que acolhe Maria como uma filha. No entanto, quando um crime surge na região, o romance entre eles é ameaçado.
Agreste é uma obra de naturalismo na qual sua mise en scène transforma o árido sertão nordestino em um personagem-protagonista. Claramente inspirado em “Vidas Secas”, o filme utiliza elementos que são distintivos do trabalho de Nelson Pereira, a fotografia, por exemplo, é severamente escaldante durante o dia, iluminando o cenário com uma intensidade brutal, enquanto a escuridão da noite é envolvente, parecendo ocultar os segredos profundos dos personagens. Sérgio Roizenblit faz questão de dar vida a esse ambiente árido, podemos constantemente ouvir sons ao redor, dos animais, do vento e da areia. O naturalismo está presente em seu olhar e na forma como ele enquadra suas cenas, frequentemente usando planos abertos ou planos extremos que fazem com que a aridez engula os personagens, trazendo à tona a complexidade desse mundo. O impacto do filme reside principalmente na imagem, nos movimentos de câmera, nos contrastes de luz e sombra, bem como na forma como o diretor compõe o cenário (mise en scène).
No entanto, o filme se perde ao tentar explorar profundamente o íntimo e as peculiaridades de seus protagonistas. Apesar dos diálogos fantásticos, escritos por um roteirista teatral nordestino, que fluem de maneira autêntica, Agreste não consegue aproximar o espectador do drama tão significativo para a narrativa. Sérgio Roizenblit aborda um subtexto previamente existente, quase “clássico”, ao trazer a importância do debate sobre a intolerância religiosa. Vemos um mundo distante dos avanços sociais, onde os dogmas religiosos exercem um poder muito maior do que o amor de uma mãe. “Agreste” carece de um foco nas relações interpessoais na imagem, como se o diretor depositasse todo o seu foco na maneira como aquele ambiente árido e seco transforma e configura os personagens, deixando de lado a exploração mais profunda das relações humanas que poderiam enriquecer a narrativa. O filme apresenta personagens com conflitos complexos, como a intensa religiosidade de Dona Valda, a natureza livre de Maria e os segredos enigmáticos de Etevaldo. Embora esses personagens possuam uma riqueza psicológica notável, a narrativa não os explora adequadamente, resultando em retratos secos e sem vida.
filme assistido no festival de cinema CinePE 2023.