sex, 22 novembro 2024

Crítica | A Vingança Está na Moda

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Na Grécia Antiga, o teatro desempenhava um papel fundamental na sociedade, refletindo e influenciando as crenças, valores e visões de mundo dos cidadãos. Uma característica marcante desse teatro primitivo era a interconexão entre comédia e tragédia, duas formas de expressão que não só coexistiam, mas também se entrelaçavam de maneiras complexas e complementares — não por acaso, o símbolo do teatro são as máscaras da tristeza e da alegria. A comédia, conhecida por sua natureza humorística e muitas vezes satírica, abordava temas cotidianos, políticos e sociais de forma irônica e crítica. As peças cômicas frequentemente apresentavam personagens estereotipados e situações absurdas, visando entreter o público e provocar reflexões sobre a condição humana e a sociedade em que viviam.

Por outro lado, a tragédia, com suas raízes nos rituais religiosos em honra ao deus Dionísio, explorava temas como o destino, a honra, o amor e a morte. As tragédias gregas eram marcadas por enredos mais “cultos”, personagens nobres e eventos trágicos que culminavam em catarsis, uma purificação emocional e espiritual experimentada pelo público através da identificação com o sofrimento dos personagens. É importante destacar que, embora comédia e tragédia sejam gêneros distintos, elas não existiam de forma isolada. Na verdade, as peças teatrais (e o cinema) muitas vezes incorporavam elementos de ambos os gêneros, criando uma riqueza de experiência formal para os espectadores. Por exemplo, mesmo nas tragédias mais sombrias, os dramaturgos inseriam momentos de alívio cômico para equilibrar a intensidade emocional da narrativa.

Essa interconexão entre comédia e tragédia reflete uma compreensão fundamental dos gregos antigos. Eles reconheciam que não pode haver verdadeira comédia sem um entendimento profundo da tragédia e vice-versa. Ambos os gêneros eram considerados essenciais para uma representação completa e autêntica da vida, cada um contribuindo de maneiras únicas para a apreciação da arte e da própria existência. O diálogo entre comédia e tragédia é um marco tão grande na criação da arte que continua a ressoar até os dias de hoje, fazendo-se presente, portanto, no cinema.

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Diante disso, A Vingança está na Moda, filme dirigido por Jocelyn Moorhouse, apresenta de certa forma esse formalismo do teatro clássico grego ao ditar uma dinâmica tradicional entre a comédia e a tragédia. O longa parte desse lugar onde, para existirem bons risos, é necessário haver um espaço para bons choros (ou pelo menos uma aproximação empática por parte do espectador). O trágico, portanto, encontra-se com a comédia, onde a câmera assume uma posição que muitas vezes observa os personagens em uma perspectiva de humor, ridicularização com gags que se manifestam na imagem. O exagero teatral se faz muito presente nesse sentido, sobretudo na forma como os personagens se movimentam pelo espaço e até nos seus movimentos corporais, afinal, a comédia está no corpo, na abruptidão dos movimentos. No teatro, um ponto de muita importância eram as atuações, em especial o carisma desses personagens, e em The Dressmaker, o carisma é um ponto fora da curva.

Até mesmo o espaço no qual todas aquelas pessoas estão inseridas lembra o teatro, um cenário com poucas mudanças. Claro que estamos falando do cinema, que em sua essência tem a liberdade de múltiplos olhares. Portanto, é claro que o filme explore movimentos e perspectivas dentro dessa ambientação. No entanto, a alma do teatro encenado está ali, naquele cenário quase imutável. Contudo, não podemos esquecer que o trágico também se apresenta, seja nos planos melodramáticos que se aproximam do olhar e das expressões, nos sentimentos que explodem e nas mortes que surgem do nada – como num bom melodrama. Na verdade, a morte gira em torno dessa narrativa, tudo parte dela. Ela está a todo momento observando, até assumir de vez o protagonismo. Ela é tão sorrateira que surge quando menos se espera, explodindo não só as emoções dos personagens, mas também as do próprio espectador — existe algo mais melodramático que isso?

No segundo encontro do podcast guiado pelos críticos Philippe Leão e Matheus Friore (Desencontros), ambos debatem sobre a questão das adaptações cinematográficas, sejam aquelas provenientes da literatura, jogos ou até mesmo do próprio cinema (remakes). Eles discutem como o cinema parte de uma liberdade artística, tornando inexistente a necessidade de fidelidade a uma obra original. O autor do cinema, portanto, tem a autonomia de transformar sua obra à sua maneira, seja mudando a ideia de um livro ou transformando um gênero já estabelecido. Afinal, o cinema tem inúmeras possibilidades de ser.

A partir disso, o filme de Jocelyn desafia as convenções ao reimaginar o gênero western através de uma lente feminina, subvertendo as expectativas tradicionalmente associadas ao olhar masculino dominante nesse gênero. A diretora modifica as ideias viris e as transmuta ao seu viés único, conferindo às personagens femininas um poder e uma agência que frequentemente são negados a elas nesse contexto. Há mulheres boas e ruins, mocinhas e vilãs, tal qual encontramos no cinema western, mas agora sob outra perspectiva. Essa decupagem feminista se manifesta em muitos momentos, como quando uma personagem confronta e se liberta de um marido abusivo, reafirmando sua própria autonomia e valor. E aqui ela parte do próprio absurdo trágico (leia-se violência) que o cinema possibilita para tratar desse ato feminino.

Gosto de como A Vingança está na Moda pega elementos que são, pelo senso comum, associados ao mundo feminino, como a moda, e os coloca como catalisador de conflitos clássicos do cinema de velho oeste. Nesse contexto, a direção captura a essência do gênero, ao mesmo tempo em que desafia seus padrões. Uma cena memorável retrata uma batalha simbólica, reminiscente dos duelos de pistoleiros (o clássico impasse), mas no lugar das armas, as personagens enfrentam-se com palavras afiadas e as suas roupas. Jocelyn parte de elementos formais tradicionais do western, com enquadramentos e movimentos de câmera clássicos do gênero, mas com uma estética e narrativa muito particular de sua autoria.

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Caique Henry
Caique Henryhttp://estacaonerd.com
Entre viagens pelas galáxias com um mochileiro, aventuras nas vilas da Terra Média e meditações em busca da Força, encontrei minha verdadeira paixão: o cinema. Sou um amante fervoroso da sétima arte, sempre pronto para compartilhar minhas opiniões sobre filmes. Minha devoção? Cinema de gênero, onde me perco e me reencontro a cada nova obra.
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