O cinema possui uma característica singular na arte de aproximar o espectador daquilo que é projetado na tela. Esta proximidade está enraizada em uma complexa dialética de voyeurismo, onde o espectador se encontra em uma posição de observador passivo, incapaz de intervir diretamente na narrativa que se desenrola diante de seus olhos. Contudo, esta passividade torna-se ativa no que diz respeito a frontalidade das emoções, pois a câmera e a direção manipulam de maneira poderosa os sentimentos do público.
No âmago dessa experiência, o cinema se torna uma ferramenta de manipulação sensorial e emocional. Ao ser imerso na escuridão da sala de projeção (ou de casa), o espectador se entrega a uma viagem que é tanto visual quanto psicológica. A câmera, com seus ângulos cuidadosamente escolhidos e movimentos, guia o olhar do espectador, moldando sua percepção e resposta emocional ao que é exibido. Este controle é exercido de forma magistral para evocar uma vasta gama de sentimentos: raiva, ternura, compaixão, tristeza, admiração, entre outros.
Quando se fala em cinema documental, há uma tendência comum de imaginar um cinema que retrata a realidade de maneira pura e sem interferências, como se fosse um espelho da vida. No entanto, essa visão é, em grande medida, uma ilusão. A partir do momento em que um cineasta decide apontar sua câmera para um determinado assunto, há uma seleção, um recorte, uma interpretação – em suma, uma manipulação inevitável.
A manipulação no cinema documental é, muitas vezes, mais explícita e impactante do que no cinema ficcional. Documentários empregam técnicas cinematográficas de forma deliberada para engajar o espectador e transmitir uma “mensagem” específica. Tomemos, por exemplo, os documentários ambientais que utilizam contraplanos de fauna e flora destruídas. Esses filmes não apenas mostram a devastação, mas também evocam uma resposta emocional direta do público, levando-o a refletir sobre questões ambientais com uma intensidade que o cinema ficcional frequentemente não alcança.
Se pensarmos no documental biográfico, como Eu Sou Celine Dion, percebemos como o cinema documental pode usar a proximidade e a intimidade para criar uma conexão mais profunda entre o espectador e o sujeito retratado (nesse caso, Celine Dion). Ao explorar a vida dessa artista através de entrevistas frontais, imagens de arquivo e cenas do cotidiano, Eu sou Celine Dion permite que o público sinta as alegrias e dores da protagonista, promovendo uma sensação de empatia e familiaridade.
O poder do cinema documental reside precisamente nesta capacidade de utilizar as ferramentas cinematográficas para moldar a percepção do espectador. Através de uma montagem cuidadosa, escolha de trilha sonora e enquadramentos específicos, o documentarista conduz o público por um caminho emocional. O documentário dirigido por Irene Taylor parte da intenção de fazer o espectador se sentir parte da vida de Celine Dion, acompanhando-a em seu dia a dia, apoiando-a, ouvindo-a e lutando ao seu lado. Quando Irene opta por manter a câmera quase sempre fechada no rosto de Celine, isso não é por acaso – é pura manipulação. É uma estratégia deliberada para fazer o público olhar nos olhos de uma artista grandiosa que, por muito tempo, parecia inalcançável.
Essa manipulação assume ainda mais protagonismo quando Irene contrapõe os relatos emocionados de Celine com imagens de arquivo. É na voz trêmula de choro, angústia e saudade que a diretora insere os momentos mais épicos da carreira da cantora, fazendo o espectador compreender a profundidade daquela dor. Uma dor que surge da incerteza de nunca mais voltar aos palcos, de nunca mais sentir o calor de um show lotado e de nunca mais fazer o que nasceu para fazer.
Em uma cena específica, já no final do filme, Celine Dion está tendo uma crise de seu transtorno (Síndrome da Pessoa Rígida), onde seu corpo começa a enrijecer e ela perde o controle. Nesse momento, seu fisioterapeuta pergunta se ela quer que desligue as câmeras, e ela responde que está tudo bem elas estarem ali. Ela quer que estejamos ali. Como eu disse, a câmera nos faz parte de sua trajetória. É, portanto, no bom sentido, manipulação pura. É a chance de vermos uma estrela como ela é: humana.