ter, 15 outubro 2024

Crítica | Maníaco do parque

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Aos leitores que ainda não estão familiarizados comigo, sou estudante de Psicologia e atualmente me encontro em um período acadêmico mais exigente, o que demanda uma maior dedicação aos estudos. Esse aprofundamento, inevitavelmente, influencia a forma como assisto a filmes, especialmente aqueles que abordam temas relacionados à psicopatologia. Por coincidência, estou desenvolvendo uma pesquisa sobre o transtorno de personalidade antissocial (TPA), também conhecido como psicopatia ou sociopatia, o que trouxe uma perspectiva clínica mais aguçada durante minha experiência ao assistir Maníaco do Parque.

Assistir ao filme foi uma experiência interessante, pois, em diversos momentos, tentei observar no comportamento de Francisco algo que corroborasse com diagnósticos psicopatológicos. No entanto, isso me levou a refletir sobre a maneira como o cinema frequentemente exagera e dramatiza esse tipo de transtorno. Afinal, estamos falando de uma forma de arte que, acima de tudo, busca entreter. O cinema, por natureza, abraça a ficção e constrói narrativas para o espetáculo. Mesmo que filmes possam refletir certos aspectos da realidade, não devemos tomá-los como verdades absolutas, especialmente no que diz respeito a transtornos mentais. A arte cinematográfica não tem compromisso com a precisão científica, e isso é algo que não podemos perder de vista.

Nesse contexto, Maníaco do Parque mergulha na história de um dos mais notórios serial killers brasileiros, o motoboy Francisco (Silvero Pereira), acusado de atacar 21 mulheres, assassinando dez delas e escondendo seus corpos no Parque do Estado, em São Paulo. A trama, no entanto, não se limita aos horrores cometidos por Francisco. A história é conduzida pela jovem repórter Elena (Giovanna Grigio), que vê na investigação dos crimes uma oportunidade de ouro para alavancar sua carreira jornalística.

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O filme, assim como muitos outros do gênero, opta por uma abordagem que enfatiza o sensacionalismo. No entanto, esse sensacionalismo não se limita apenas à construção narrativa, mas também se revela como uma crítica incisiva ao jornalismo de espetáculo, que explora tragédias humanas como forma de alcançar notoriedade e sucesso. Maníaco do Parque expõe essa lógica predatória, em que tanto o assassino quanto os jornalistas que orbitam ao redor de seus crimes são representados como abutres alimentando-se da carniça. Há uma metáfora implícita de que a exploração midiática dessas tragédias se assemelha à voracidade com que se consome a desgraça alheia.

A crítica do filme, no entanto, não nega a importância do jornalismo investigativo. Pelo contrário, o filme reconhece a relevância desse trabalho. Mas o que “Maníaco do Parque” coloca em evidência é o desequilíbrio na cobertura: há um foco exacerbado no criminoso, transformado em uma figura quase mítica, enquanto as vítimas são relegadas ao esquecimento. A sociedade, nesse sentido, é mais propensa a se fascinar com a mente distorcida de um psicopata do que a humanizar as mulheres que sofreram em suas mãos.

É nesse ponto que o filme de Maurício Eça manifesta uma sutil, mas poderosa, crítica social e feminista. Ao centrar sua narrativa na personagem de Elena, uma jovem repórter em um ambiente corporativo majoritariamente masculino, o filme oferece uma reflexão sobre a luta das mulheres por espaço e reconhecimento. Elena não apenas busca uma oportunidade de destaque em sua carreira, mas precisa enfrentar seus próprios “abutres” no ambiente profissional – homens que, tal como o criminoso que ela investiga, a subestimam e a veem apenas como mais uma peça em um sistema que se alimenta do espetáculo da violência.

A trajetória de Elena dentro dessa selva midiática a coloca em um caminho perigoso e sem volta. Ao mergulhar na investigação dos crimes de Francisco, ela se vê presa em uma teia de ambições e perversidades que não se limita apenas ao mundo exterior, mas também toca em seus próprios dilemas éticos e pessoais. Sua jornada, marcada pelo embate entre a busca pela verdade e a exploração sensacionalista, reflete a tensão central do filme: até que ponto estamos dispostos a ir para obter sucesso e visibilidade? E a que custo?

A decupagem de Maurício Eça oferece um olhar ambíguo e multifacetado sobre a figura feminina. De um lado, temos uma perspectiva predatória, vilanesca e perigosa; de outro, um olhar acolhedor, atento e reflexivo. Essa transição ocorre conforme o ponto de vista de quem observa: o maníaco ou a jornalista. O que aprecio nesse duplo olhar é a capacidade de Maurício em criar um ritmo narrativo interessante. A mudança de perspectiva é perceptível – o espectador consegue identificar de onde parte o olhar e, com isso, entende se estamos diante do perigo ou da compreensão.

Quando o maníaco assume o olhar, a câmera parece hesitante, quase temerosa, aproximando-se cautelosamente, mas sem se atrever a chegar perto demais. O ambiente ao redor é registrado com um misto de tensão e busca por uma saída. Por outro lado, quando Elena toma posse desse olhar, a câmera se aproxima mais, como se quisesse ouvir seus pensamentos, perscrutar seus sentimentos e entender suas motivações. Esse contraste visual reforça a dinâmica entre predador e sobrevivente, entre controle e vulnerabilidade.

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Contudo, há algo nesse jogo de olhares e no ritmo narrativo que me incomoda. A fluidez inicialmente bem trabalhada na transição de pontos de vista é, em determinados momentos, comprometida por uma montagem excessivamente acelerada, que parece tentar emular o estilo típico da cinematografia norte-americana. Esse recurso, embora compreensível dentro de uma lógica comercial, acaba por sacrificar parte da identidade e do frescor do cinema brasileiro, que tem suas próprias particularidades e uma linguagem mais cadenciada e introspectiva. Única! 

Em vez de abraçar essa riqueza, o filme, em alguns momentos, parece ceder à tentação de seguir fórmulas já estabelecidas, comprometendo a singularidade do que poderia ser uma obra mais enraizada na sua própria cultura. É um filme nosso que muitas vezes não parece. Essa busca por um ritmo mais frenético resulta em uma quebra que prejudica a construção gradual da tensão. O filme perde, assim, a oportunidade de explorar com mais profundidade as nuances de seus personagens e de seu ambiente, optando por soluções mais imediatas e, por vezes, superficiais. No entanto, isso não anula as qualidades do filme, que ainda consegue entregar uma narrativa envolvente, especialmente quando se concentra no jogo psicológico entre os protagonistas.

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Caique Henry
Caique Henryhttp://estacaonerd.com
Entre viagens pelas galáxias com um mochileiro, aventuras nas vilas da Terra Média e meditações em busca da Força, encontrei minha verdadeira paixão: o cinema. Sou um amante fervoroso da sétima arte, sempre pronto para compartilhar minhas opiniões sobre filmes. Minha devoção? Cinema de gênero, onde me perco e me reencontro a cada nova obra.
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