qua, 11 dezembro 2024

Crítica | Horizon: Uma Saga Americana – Capítulo 1

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O cinema western, um dos gêneros mais emblemáticos da história do cinema, é uma vitrine de tensões ideológicas e estéticas profundamente enraizadas na cultura norte-americana. Desde seu nascimento, os filmes de faroeste se consolidaram como uma representação mitológica do Velho Oeste, misturando a celebração do individualismo e da conquista territorial com as cicatrizes do imperialismo e da violência sistêmica. Narrativamente, o western é marcado por conflitos claros: a luta do “civilizado” contra o “selvagem”, frequentemente encarnada na oposição entre brancos colonizadores e povos indígenas, e entre a ordem representada pelo xerife e o caos simbolizado pelos fora-da-lei. No entanto, esses embates simplificados mascaram uma realidade mais sombria, revelando uma ideologia profundamente marcada pelo nacionalismo e pelo apagamento brutal de culturas originárias. Seu nacionalismo latente é manchado pela história de genocídio dos povos originários, retratados como estereótipos desumanizados e violentos. Essa visão simplista reforçou mitos colonialistas de progresso, marginalizando as complexas culturas indígenas que resistiram à ocupação.

Horizon: Uma Saga Americana, dirigido por Kevin Costner, adota uma estrutura narrativa que flerta com a crônica, evocando a fluidez e a introspecção típicas da literatura. O filme percorre as diversas histórias que compõem o próprio processo da marcha para o Oeste, entrelaçando narrativas de pessoas distintas. Cada personagem traz à tona um universo de conflitos, desejos, sonhos, medos, e, inevitavelmente, a dualidade entre a vida e a morte. Essa abordagem multifacetada busca captar a complexidade de um momento histórico marcado por ambição e transformação, revelando como essas experiências individuais se entrelaçam com os grandes movimentos sociais e culturais que moldaram a maior expansão territorial americana. No entanto, mais do que um exercício de estilo, o filme se revela uma obra nacionalista e conservadora. Ainda que não se incline para um conservadorismo extremo onde abraça certas ideias mais “abertas”, seu viés é inegável: uma celebração do mito imperialista americano, onde heróis e sobreviventes perseguem a tão almejada glória nacional.

A câmera em Horizon é ideológica — como sempre é, afinal, todo filme é fruto de uma visão de mundo. O simples ato de apontar uma câmera carrega uma carga ideológica, pois reflete as crenças, experiências e intenções de quem a maneja. Em Horizon, isso se manifesta de forma clara desde os primeiros minutos. Costner opta por iniciar sua narrativa com uma sequência em que nativos americanos atacam um grupo de colonos e suas famílias. Apesar da cena ter suas qualidades, especialmente na forma como a tensão é construída e conduzida até um clímax, há algo incômodo na maneira como os povos indígenas são representados. Eles emergem como figuras maléficas, reduzidos a caricaturas violentas que reforçam uma perspectiva historicamente enviesada. 

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Repito: por mais que Kevin Costner pareça se esforçar em dar espaço aos povos nativos americanos, como no núcleo dos apaches, a forma como ele escolhe compor as cenas ainda me soa profundamente abjeta. É uma abordagem que, paradoxalmente, consegue ser sutil e óbvia ao mesmo tempo. A decupagem, carregada de uma dialética quase irônica, tenta capturar certa complexidade, mas acaba ressoando com o mesmo nacionalismo imperialista de sempre. No final, a América é novamente retratada como a vítima, uma “coitada” lutando pela sobrevivência, enquanto apaga ou distorce as realidades históricas que envolveram esse processo. 

Confesso que Horizon: Uma Saga Americana é um filme que possui um certo charme formal. É visualmente bonito, algo que a própria ambientação natural facilita, e carrega um estilo interessante, sobretudo na maneira como Kevin Costner conduz o “contar história”. A narrativa assume um tom épico, quase shakespeariano, abraçando a dramaticidade marcada da literatura clássica. Horizon se apresenta como uma crônica permeada pelos excessos da dramaturgia. A vastidão das paisagens desempenha um papel crucial, com o uso recorrente de planos gerais e panorâmicas que realçam a imponência da natureza em contraste com a vulnerabilidade humana. A trilha sonora, por sua vez, é uma peça chave na construção dessas histórias. As melodias, que alternam entre o épico e o nostálgico, se mesclam aos sons diegéticos do vento cortando o deserto. Esses elementos juntos contribuem para uma atmosfera quase ritualística. Cada duelo contra sol escaldante, envolto em um cenário monumental, parece tão inevitável quanto os próprios conflitos territoriais que moldam a narrativa.

Por mais que Horizon: Uma Saga Americana tenha suas qualidades, ainda me incomoda a forma como Kevin Costner enxerga esse mundo moldado pelo imperialismo norte-americano. Essa perspectiva se torna ainda mais evidente nos minutos finais, quando ele recorre a cortes temporais para transitar entre eventos de maneira que reforça uma narrativa fortemente enraizada no nacionalismo. A montagem, com sua progressão quase simbólica, parece ecoar um ideal de grandeza americana que, ao invés de questionar os alicerces desse imperialismo, acaba por legitimá-lo de forma quase reverente.

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Caique Henry
Caique Henryhttp://estacaonerd.com
Entre viagens pelas galáxias com um mochileiro, aventuras nas vilas da Terra Média e meditações em busca da Força, encontrei minha verdadeira paixão: o cinema. Sou um amante fervoroso da sétima arte, sempre pronto para compartilhar minhas opiniões sobre filmes. Minha devoção? Cinema de gênero, onde me perco e me reencontro a cada nova obra.
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