Documentários são produzidos para abarcar todo tipo de público e conteúdo, sendo desde os que nos fazem pensar, aos que nos fazem contemplar um local ou mesmo explicar civilizações. E entre suas várias formas subjetivas, existem longas como Alma do Deserto, que nos permite compreender a jornada emocionante e inspiradora de uma mulher trans em busca de sua dignidade e identidade.
Muitos de nós consideramos que uma identidade física (um passaporte, um RG, CPF, Título de eleitor, etc) onde conste nosso nome, nada mais é do que um trâmite burocrático que viveríamos muito bem sem. Para muitos o ato de possuir um papel com o nome nada significa. Sabemos quem somos e como chamamos. E é isso! Porém, para nem todos isso é verdade.
No documentário, dirigido por Mônica Taboada-Tapia, acompanhamos Georgina, uma mulher trans, outrora conhecida como Jorge, seu nome de batismo. Da etnia indígena Wayúu, Georgina sempre soube que era diferente dos outros meninos. Ela que possui dois irmãos, sempre foi tratada de maneira ríspida pela família e pela sociedade em que vivia.
Quando decidiu se assumir como mulher, também externamente, foi vítima de um atentado contra sua vida, onde moradores da comunidade indígena que vive, atearam fogo em sua casa enquanto dormia. Georgina sobreviveu, sendo resgatada e protegida por uma amiga. Mas seus bens materiais, inclusive seu documento de identidade original, se perderam entre as chamas que consumiram ainda, o sonho de poder conviver com os seus como qualquer pessoa deveria ter o direito de fazer.
Após a perda de seus documentos originais – o que passou a impedi-la de exercer direitos básicos, como receber benefícios governamentais, acessar serviços de saúde e votar – Georgina parte em busca de igualar seu novo documento físico de identidade com sua real identidade de gênero.
E é nisso que o documentário se debruça, mostrando a árdua jornada, tanto física quanto emocional de Georgina, para vencer a burocracia e o preconceito, entre outras dificuldades, que a impedem de ser reconhecida como quem realmente é, uma mulher trans.
O documentário mostra uma realidade pouco visível e muitas vezes inimaginável para muitos de nós. Eu sei que mesmo após a explicação acima, muitos ainda devem se perguntar o porquê dela não continuar vivendo com os documentos com seu nome original (Jorge) ao invés de passar por uma verdadeira via-crúcis apenas para mostrar que é uma mulher. Por que seria tão importante assim?
Porque é um direito. Tudo o que se quer é ser reconhecido como uma pessoa possuidora de direitos. Os mesmos direitos que qualquer cidadão deveria ter. E a maior conquista ocorre quando o governo e a sociedade – através do que para muitos é um simples papel – reconhece a identidade de gênero de uma pessoa. A satisfação de Georgina quando exerce seu direito ao voto como Georgina, é uma realização que para ela nenhum dinheiro no mundo seria suficiente para comprar.
O documentário será mais apreciado principalmente por aqueles que buscam acompanhar questões de diversidade e de relevantes temas sociais. Importante dizer que, apesar de uma duração enxuta, o ritmo não é nada dinâmico, o que pode comprometer o interesse do público em alguns momentos.
Em resumo, Alma do Deserto, é um documentário que, apesar de possuir um ritmo inconstante, tem muito a dizer para quem quer ouvir. E mostra o quanto uma pessoa está disposta a lutar para ser reconhecida como se vê.