Baseado nas experiências reais vividas pelo ex-fuzileiro naval Ray Mendonza, Tempo de Guerra (Warfare) é um retrato imersivo e doloroso da batalha de Ramadi, um episódio marcante da Guerra do Iraque, ocorrido em 2006, onde o exército americano se viu cercado por iraquianos. O filme conta com a co-direção do próprio Mendonza, em parceria com Alex Garland (Guerra Cívil).
Não é de hoje que a produtora A24, xodó dos apreciadores de um bom cinema independente, vem impressionando – e, até mesmo, revoltando alguns – por adotar discretamente técnicas e linguagens mais voltadas para o mainstream em suas obras mais recentes, porém com uma visível cautela para não se distanciar de seus princípios e seguir saudando uma maneira “fora do convencional” de se fazer filmes de gênero. Recorrer timidamente ao clichê hollywoodiano para também conquistar um público desacostumado com um cinema autoral é, de fato, um intrépido desafio que, apesar de perigoso, se mostrou eficaz em recentes sucessos comerciais, como: Guerra Civil (2024), Fale Comigo (2023) e Tudo, Em Todo Lugar, Ao Mesmo Tempo (2022). Com lançamento nos cinemas marcado para esta quinta-feira (17), Tempo de Guerra (Warfare) é uma produção que rema contra essa recente maré, tentando, ao máximo, não oscilar entre a originalidade de uma narrativa cinematográfica autoral e as artimanhas fílmicas comuns entre o subgênero “filmes de guerra”, entregando uma experiência sensorial imersiva que funciona desafiando o próprio cinema.

No entanto, dá-se a entender que o maior mérito de Tempo de Guerra, que é o seu fator imersivo, extremamente funcional quando somado a uma direção competente para com a técnica e a linguagem bélica da proposta narrativa do longa-metragem, talvez tenha sido realizado com tamanho esmero a ponto de se distanciar de uma narrativa cinematográfica, quanto estética e linguagem. Uma vez baseado nas dolorosas e assustadoras experiências vividas pelo ex-combatente americano Ray Mendonza durante a guerra do Iraque, além de contar com a co-direção e roteiro de autorias do próprio, Tempo de Guerra torna-se uma adaptação daquele momento histórico ocorrido em Ramadi que destaca suas causas e efeitos, onde o realismo predominante torna a experiência sensorial bruta e aterradora em momentos de conflito, tais como tensas e tediosas durante os retratos de suspense e ócio vividos pelos soldados. Dessa forma, Mendonza e Alex Garland – este último, mais uma vez, demonstrando-se apto para adotar linguagens e ritmos diversificados em suas obras, a ponto de agradar a todos os públicos que podem ter acesso aos seus filmes – reproduzem suas escolhas formais mais voltadas para o bruto, o cru e ao agoniante e violento episódio de guerra.
Há uma ousadia louvável no quesito de reproduzir vivências traumáticas de guerra a partir das memórias, a ponto de fazer o espectador sentir e tomar as dores dos personagens em cena de maneira mais intensa do que contemplar a arte cinematográfica a ser reproduzida. Tempo de Guerra se inicia mostrando um breve momento de descontração do jovem pelotão que passou pelo bárbaro episódio em Ramadi, que destaca uma juventude cumpridora de ordens, mas que ainda era composta, em sua maioria, por rapazes típicos da segunda metade dos anos 2000. Apesar de não aprofundar em apresentações ou dramas pessoais, o que não é um objetivo do longa-metragem (mas, ainda assim, agregaria um alto valor sentimental ao filme e também contribuiria para o drama sensorial nos momentos que viriam a seguir), somos imersos nas estratégias de combate e defesa dos personagens, ainda mais quando sentimos o tédio e a calmaria que vêm atrelados a tensão silenciosa nas cenas de observação e aguardo do ataque das tropas inimigas. Mesmo que o filme não tenha um storytelling bem definido, é possível ao menos separar os momentos de iniciais de silêncio e preparo para o confronto, bem construído a partir de planos fechados, ausência de trilha sonora e enquadramentos que tornam o apartamento invadido pelas tropas americanas para esconderijo um ambiente claustrofóbico e vulnerável.

Repleto de nomes conhecidos na atualidade, o elenco de Tempo de Guerra conta com participações ensaiadas de maneira exímia e, visivelmente, trabalhosa de jovens artistas já venerados pelo público, como Will Poulter, Joseph Quinn, Cosmo Jarvis, Noah Centineo, Finn Bennett, D’Pharaoh Woon-A-Tai, intérprete de Ray Mendonza, entre outros. Apesar do evidente destaque de Poulter e Quinn, todo o elenco se entrega ao desafio proposto pela produção e reproduzem momentos de conflitos e extrema agonia, como a consequência do ataque surpresa durante a evacuação do prédio onde estavam as tropas e os primeiros socorros prestados aos fuzileiros feridos, sequências estas que prezam pelo realismo e a fidelíssima reação de desespero dos soldados até mesmo para aplicar uma simples injeção de adrenalina nos feriados, precisando lutar física e psicologicamente contra toda aquela situação.
Tempo de Guerra é uma experiência sensorial imersiva que, indubitavelmente, funciona para com a sua proposta. Mesmo que chegue a desapontar no enredo e no caráter “cinematográfico” ao somente retratar a guerra sem interrogá-la, nem questionar sua existência, o filme se encaixa como um drama fora do padrão, que utiliza da aterradora imagem bélica como principal argumento, sem perder tempo com dissertações.