Em Mentirosos, nova série da Prime Video baseada no best-seller de E. Lockhart, o verão tem gosto de limonada gelada, cheiro de protetor solar e um tipo muito específico de silêncio: aquele que só existe em famílias ricas que aprenderam, desde cedo, a nunca falar sobre o que realmente importa. Beechwood Island é uma espécie de Nárnia com wi-fi e dinheiro antigo, onde os Sinclair, uma dinastia loira e entrosada em brigas hereditárias, passam suas férias dando festas, fofocando sobre a vida e acumulando ressentimentos em taças de cristal.
A protagonista e narradora é Cadence Sinclair (Emily Alyn Lind), herdeira dessa fortuna que parece saída de um comercial de banco suíço. Ela volta à ilha depois de um ano conturbado, sem lembrar do que aconteceu no verão anterior. O tal “Summer 16” que seus primos numeram como se estivessem num álbum da Taylor Swift. Algo muito ruim aconteceu, disso temos certeza. Mas ninguém quer falar. Nem a família, nem os amigos, nem ela mesma. E assim começa um jogo delicado de montagem emocional, em que as peças estão espalhadas entre lembranças turvas, festas temáticas e uma leveza que é sempre um pouco desconfortável.
Aos poucos, a série revela que o conto de fadas era mesmo só fachada. Por trás dos vestidos brancos, dos piqueniques coreografados e das casas de praia impecáveis, existe um império de privilégio, racismo velado e uma tradição de manipulação que vem sendo passada de geração em geração como herança. O avô Harris Sinclair (David Morse) é um patriarca do tipo Logan Roy de regata: autoritário, frio, encantador nas horas erradas. Suas filhas, vividas por Mamie Gummer, Caitlin FitzGerald e Candice King, orbitam em torno dele como princesas sem trono, dispostas a tudo para agradar o “rei” e garantir seus pedaços da ilha. Leia-se: do patrimônio. São adultas que agem como crianças, incentivando os próprios filhos a entrarem no jogo por migalhas de afeto (ou escrituras de casas).
Cadence tenta se manter alheia a isso, ocupada demais com suas dores de cabeça, sua amnésia e, claro, sua paixão por Gat (Shubham Maheshwari), o único “intruso” do grupo, sobrinho do companheiro de uma das tias. Gat é inteligente, articulado, e tem o tipo de consciência social que transforma qualquer mesa de jantar em campo minado. Mas a série infelizmente não sabe muito bem o que fazer com ele. Seu arco, que tinha tudo pra ser o contraponto mais potente à alienação dos Sinclair, vira quase uma nota de rodapé. Enquanto Cadence, Johnny (Joseph Zada) e Mirren (Esther McGregor) ganham mais espaço e dramas pessoais, Gat fica preso no papel de despertar de consciência alheia.
O texto da série oscila entre momentos de delicadeza genuína e passagens que parecem saídas diretamente do caderno de metáforas de uma adolescente entediada. A ideia de narrar tudo como se fosse um conto de fadas moderno, com reis, castelos e maldições, funciona bem no livro, mas aqui vira um truque que cansa rápido. São muitas camadas de narração, muitas frases poéticas que não dizem nada, muitas referências que tentam soar profundas enquanto o roteiro tropeça em suas próprias intenções.
Ainda assim, há muito charme em Mentirosos. As cenas entre os quatro protagonistas têm uma leveza agridoce que funciona, principalmente quando os diálogos fogem da exposição e se aproximam de algo mais cru, mais humano. A série brilha mesmo nos pequenos gestos: um olhar atravessado na mesa do jantar, uma conversa sussurrada no pier, um gesto contido diante de uma revelação. Há ali uma tentativa honesta de capturar o instante exato em que a juventude racha, e a inocência dá lugar à culpa.
É também nesse intervalo que a série constrói seu mistério central. O que aconteceu no verão anterior? Por que Cadence apagou tudo? Por que todos fingem que está tudo bem, quando claramente não está? E, mais importante, por que seguimos assistindo, mesmo quando o roteiro se enrola? A resposta, talvez, esteja na combinação sedutora entre clima de tragédia grega e visual de editorial de moda. Uma estética à la Big Little Lies com espírito de Cruel Summer, onde o sol brilha forte demais e a verdade sempre chega atrasada.

A trilha sonora ajuda a empurrar essa vibe agridoce, com faixas que parecem ter saído direto de playlists de TikTok e corações partidos. King Princess, Hozier, Conan Gray e outros nomes do pop melancólico moderno ajudam a construir a atmosfera de sonho à beira da implosão, embalando os episódios com um certo frescor millennial que combina bem com os dilemas existenciais à beira-mar.
A direção sabe usar bem essa ambiguidade. O que começa como uma série teen ensolarada vai escurecendo aos poucos, e quando a grande revelação chega, ela não apenas surpreende. Ela vira a chave do projeto inteiro. É um final que, mesmo com todos os tropeços da jornada, consegue emocionar. E fazer sentido. E sim, talvez te arrancar umas lágrimas escondidas.
No entanto, Mentirosos também deixa a sensação incômoda de que poderia ter sido mais. Mais afiada, mais corajosa, mais consciente de seus próprios símbolos. Em vez disso, escolhe o caminho do melodrama confortável, da crítica social em voz baixa e de uma estética que às vezes beira o vazio. Ainda assim, é uma série que vale a maratona. Nem que seja pra depois dizer que “esperava mais”, mas não conseguiu parar de ver.
A primeira temporada encerra com um gancho ousado, abrindo espaço para uma possível continuação baseada no livro Família de Mentirosos (ainda sem confirmação oficial da Prime Video). Se voltar, o desafio será esse: sair da pose de conto moral e mergulhar de verdade no que Mentirosos tem de mais potente — o desconforto de quem cresceu cercado de privilégios, mas acordou tarde demais pra perceber o preço.
Até lá, a gente pode fingir que tá tudo bem. Ou mentir, claro. Eles fariam o mesmo.Todos os 8 episódios de Mentirosos estreiam no dia 18 de junho na Prime Video.