O filme, dirigido e escrito por Bill Guttentag, não se trata apenas de uma obra biográfica. É uma crônica visual da insurgência pela educação e pela autonomia feminina no coração de uma sociedade que, historicamente, silencia essas vozes. Inspirado na trajetória real da empreendedora Roya Mahboob, o longa acompanha não só a fundação da primeira empresa de software gerida por uma mulher no Afeganistão, mas também a criação das Sonhadoras Afegãs (Afghan Dreamers) — um time de robótica composto por jovens afegãs, determinado a redefinir o papel da mulher nas ciências e na cultura do país.
Mais que uma narrativa sobre superação, o roteiro de Guttentag constrói uma arquitetura emocional baseada em códigos — os da tecnologia, claro, mas também os da linguagem social: os gestos contidos, os olhares de escárnio, os silêncios que não são consentimento. Roya, interpretada por Nikohl Boosheri, não é uma heroína no sentido tradicional. Ela é movida por inquietação, por um sentimento que a impede de aceitar as “normas”. E cada tentativa sua de romper essas barreiras se torna uma faísca que contagia as meninas ao seu redor.
O elenco não se define por arquétipos. Mesmo os coadjuvantes ganham densidade simbólica: o irmão Ali, por exemplo, é mais que o “apoio masculino sensível” — ele representa o dilema entre o afeto familiar e a exposição ao risco. Já as meninas da equipe trazem consigo a complexidade de quererem ser vistas além do rótulo de exceção — elas não querem ser “as primeiras”, querem ser apenas livres.
Essa recusa em romantizar os desafios é um dos pontos altos do filme. Roya recebe ameaças, a equipe é sabotada, há perdas reais — e o filme não dramatiza essas situações com sentimentalismo fácil. Ao contrário, há uma sobriedade que permite que cada dor permaneça crua, como deveria.
A trilha sonora de Thom Yorke surge como um som subterrâneo — não para embalar cenas, mas para invocar atmosferas. Os graves ecoam como máquinas em movimento, a percussão sugere o frenesi da criação. Em contraste, os cenários — escolas precárias, oficinas improvisadas, ruas em tensão — são filmados com um realismo discreto, onde até a iluminação parece se submeter ao clima de contenção emocional.
A religiosidade, longe de ser mote central, aparece como pano de fundo: as mesquitas, os rituais de oração, as vestimentas. O filme evita julgamentos simplistas sobre a fé muçulmana, mas deixa claro que o fundamentalismo é uma estrutura opressora que molda medos e decisões.
Em resumo, Quebrando Regras não quer ser celebrado como “filme inspirador”. Ele funciona melhor como uma espécie de manifesto silencioso, onde o otimismo convive com a melancolia e onde cada vitória parece vir com uma nova responsabilidade. É cinema que quer conversar, não convencer — e essa talvez seja sua maior virtude.