sex, 26 setembro 2025

Crítica | Six Jours

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O cinema de suspense policial é, por essência, um gênero de jogos de sombra e obscuridade. Ele sempre se equilibra entre a promessa de um enigma e a necessidade de resolução — um fio narrativo que não se sustenta sem a manipulação do olhar do espectador. O cinema de suspense policial sempre viveu de suas convenções — o detetive obcecado, a cidade úmida e sufocante, o criminoso que fala em enigmas — nada disso é, por si só, um problema. O clichê só se torna vazio quando é utilizado como atalho, sem intenção. Mas quando um diretor sabe manipular esses signos, eles deixam de ser apenas estereótipos e passam a ser instrumentos de atmosfera, engrenagens de um discurso maior, eles se transformaram em uma linguagem própria, quase um dialeto cinematográfico.

Diante disso, pude assistir Six Jours, filme francês que segue Malik, um policial que, após 11 anos sem resolver o caso de um rapto de menina, é forçado a reabrir o caso quando outro rapto semelhante ocorre. Com apenas seis dias para encontrar o culpado, Malik enfrenta uma corrida contra o tempo para resolver a investigação antes que o prazo de prescrição expire. É interessante, portanto, como Juan Carlos Medina lida com essas convenções, Afinal, o gênero não é sobre originalidade absoluta, e sim sobre a forma como o autor reorganiza os elementos disponíveis. É no gesto de Juan Carlos Medina que se define a experiência: uma câmera que prolonga um plano ivestigtivo, uma montagem que retarda uma revelação, uma trilha que transforma o silêncio em ameaça. 

Um investigador atormentado, como Malik em Six Jours , não é apenas uma sombra reciclada de tantos thrillers policiais; ele é a encarnação de uma sociedade que se debate com sua própria falência moral. O fascínio não está em sua novidade, mas justamente em sua permanência como tropo clássico. Juan Carlos sabe que é nesse terreno familiar — o do detetive quebrado, da justiça incompleta — que o cinema encontra sua força mais crua.

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A tradição filosófica já nos ensinou que mitos e repetições não são sinais de desgaste, mas de estrutura. Hobbes dizia que “o homem é o lobo do homem”, e em Six Jours essa máxima não se apresenta como uma abstração, mas como experiência sensível: homens que investigam crimes se tornam reflexo dos mesmos impulsos violentos que tentam conter. A figura de Malik, portanto, é menos um indivíduo isolado do que uma metáfora de uma ordem social que se autodevora, enredada em suas próprias cordas jurídicas, incapaz de romper o ciclo de violência que pretende administrar.

Se quisermos pensar com Foucault, podemos dizer que o filme mostra um sistema de justiça que vigiamos e punimos, mas ao fazê-lo revelar sua própria fragilidade. A autoridade que deveria dar segurança se revela cúmplice do mesmo terror que promete combater. É nesse paradoxo que Six Jours encontra sua densidade: não há redenção possível, apenas a exposição brutal da engrenagem que mantém o mundo girando aos custos da carne humana. O que encanta, então, não é uma quebra das convenções, mas a forma como Juan Carlos as utiliza como espelho da condição humana. O investigador atormentado, o sistema falho, o homem contra si mesmo.

Acho instigante, portanto, como Six Jours carrega em si uma bagagem que atravessa comportamento, justiça e moralidade. O espectador, aparentemente passivo em sua poltrona, está colocado diante de dilemas que ecoam a própria tradição da filosofia moral: onde começa a justiça e onde termina a vingança? Até que ponto a lei é medida de verdade, e até que ponto é apenas mais uma forma de violência legitimada? 

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Nesse sentido, a experiência de assistir Six Jours se aproxima daquilo que Kierkegaard chamaria de “angústia” — esse estado em que a liberdade nos confronta com a responsabilidade de escolher, mesmo quando nenhuma escolha parece plenamente justa. O filme força o espectador a se considerar nesse território ambíguo, onde o certo e o errado não são polos fixos, mas superfícies móveis, corroídas pelas situações. Ao tensionar o olhar do público dessa maneira, Juan Carlos obriga o espectador a participar de um tribunal invisível, onde cada gesto, cada silêncio e cada ato de violência se tornam matéria de julgamento. É nesse choque entre a poltrona confortável e o desconforto moral que Six Jours alcança sua força.

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Caique Henry
Caique Henryhttp://estacaonerd.com
Entre viagens pelas galáxias com um mochileiro, aventuras nas vilas da Terra Média e meditações em busca da Força, encontrei minha verdadeira paixão: a arte. Sou um apaixonado por escrever, sempre pronto para compartilhar minhas opiniões sobre filmes e músicas. Minha devoção? O cinema de gênero e o rock/heavy metal, onde me perco e me reencontro a cada nova obra. Aqui, busco ir além da análise, celebrando o impacto que essas expressões têm na nossa percepção e nas nossas emoções. E-mail para contato: [email protected]
O cinema de suspense policial é, por essência, um gênero de jogos de sombra e obscuridade. Ele sempre se equilibra entre a promessa de um enigma e a necessidade de resolução — um fio narrativo que não se sustenta sem a manipulação do olhar...Crítica | Six Jours