qui, 2 outubro 2025

Crítica | GOAT (HIM)

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O chamado “pós-terror” é, no fundo, um rótulo problemático. O termo foi cunhado pelo jornalista britânico Steve Rose, mas soa reducionista e até arrogante ao sugerir que exista um “além do terror”, como se o gênero precisasse ser superado para alcançar maturidade. O que se convencionou chamar de pós-terror nada mais é do que uma vertente que reorganiza as convenções do horror, aproximando-se do que popularmente chamamos de “terror psicológico” e que, a meu ver, funciona melhor sob a alcunha de terror sugestivo.

A diferença está no mecanismo. O terror sempre foi um gênero essencialmente corporal: ele mobiliza o espectador em níveis que vão além do racional, acionando estruturas cerebrais como a amígdala (responsável pelo processamento do medo), o hipotálamo (que ativa respostas de luta ou fuga) e até o córtex pré-frontal, que tenta racionalizar a ameaça percebida. É esse circuito que explica por que o susto, seguido da liberação de adrenalina e dopamina, pode provocar tanto alívio quanto riso — uma catarse típica do horror mais direto.

O terror sugestivo, no entanto, funciona de outra maneira. Ele eleva a tensão sem permitir a descarga. O espectador é colocado diante de situações de estranhamento, desconforto ou inquietude, mas o clímax poucas vezes se concretiza em explosão. A adrenalina permanece represada, e o corpo fica em estado de alerta contínuo, como se estivesse diante de uma ameaça que nunca se revela por completo. O resultado é a angústia: uma respiração suspensa, um mal-estar que não encontra válvula de escape.

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Não é por acaso que filmes como Hereditário (Hereditary, Ari Aster), A Bruxa (The Witch, Robert Eggers), Relic (Natalie Erika James) ou até mesmo Saint Maud (Rose Glass) causam experiências desconfortáveis ao espectador. Eles não oferecem sustos fáceis, mas instalam uma perturbação que permanece mesmo depois da sessão. O corpo entende aquelas imagens como perigosas, mas, sem liberação, o cérebro permanece em estado de vigilância. O horror, aqui, não está no monstro que aparece, mas na impossibilidade de escapar do que é insinuado.

O chamado terror direto e o terror sugestivo produzem experiências corporais distintas, ainda que ambos se apoiem no mesmo mecanismo: o medo como estímulo primário. GOAT, dirigido por Justin Tipping e produzido por Jordan Peele, é exemplar nesse sentido do horror sugestivo. O filme conta a história de Cameron Cade, um quarterback em ascensão que vê sua carreira ameaçada após uma lesão. Quando tudo parece perdido, surge a figura de Isaiah White, um ídolo que o convida para treinar em um centro esportivo isolado. Mas o que poderia soar como redenção logo se transforma em pesadelo: o carisma de Isaiah dá lugar a algo sombrio, e Cade mergulha em um labirinto de obsessão, controle e estranhamento.

(from left) Isaiah White (Marlon Wayans) and Cameron Cade (Tyriq Withers) in HIM, directed by Justin Tipping.

Nada em GOAT parece seguro. Desde o início, quando vemos Cade em um ambiente familiar, o desconforto já está instaurado: o pai que projeta no filho a ideia de sacrifício como único caminho para a glória não é diferente, em essência, da pressão psicológica que mais tarde o prenderá ao domínio de Isaiah. Tipping constrói um horror em que cada plano sugere instabilidade, mesmo quando nada “anormal” está em tela. É o olhar, e não o susto, que guia o terror. O espectador permanece aprisionado, com a tensão represada, em um estado de ansiedade. Diferente do riso que sucede o “jump scare”, aqui sobra apenas a angústia — uma experiência ansiogênica que, como quem sofre de ansiedade sabe, é amarga justamente porque não há válvula de alívio.

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Esse tipo de narrativa encontra eco em uma tradição do horror que tematiza a obsessão como força destrutiva. A busca pela perfeição, a pressão para ser o melhor, a ideia de sacrifício absoluto — tudo isso é terreno fértil para a loucura. Filmes como Cisne Negro (Black Swan, Darren Aronofsky), Whiplash (Damien Chazelle) e até mesmo o clássico O Iluminado (The Shining, Stanley Kubrick) exploram como a obsessão corrói o indivíduo, convertendo desejo em autodestruição. Em GOAT, essa lógica é filtrada pela lente do esporte, onde o corpo é ao mesmo tempo promessa de glória e prisão, e onde o treinador se confunde com carrasco.

Meu problema com GOAT está menos na execução e mais na postura autoral que o filme projeta. Em GOAT, há uma clara tentativa de se posicionar como obra “fora da caixinha”, como se estivesse reinventando o horror psicológico, quando, na verdade, o que temos é a reiteração de estruturas já bastante conhecidas: a figura do mentor que gradualmente se converte em opressor, o espaço fechado que sufoca e aprisiona, a obsessão como motor narrativo da loucura, e uma mise-en-scène heteróclita que oscila entre o sugestivo e o pretensamente enigmático.

Não se trata de um problema com o uso de convenções — afinal, o gênero se sustenta justamente no diálogo constante entre repetição e reinvenção — mas da forma como o filme parece mascarar essa dependência sob uma aura de originalidade. O desconforto gerado em cena é legítimo, e há momentos em que se percebe o talento formal de Tipping, sobretudo no manejo do olhar do espectador e no ritmo das imagens. Porém, o filme insiste em sustentar-se numa ilusão de inovação, como se cada plano “diferente” fosse prova de uma ruptura autoral, quando, no fundo, servem apenas para preencher um vazio dramático.

Esse vazio não nasce da falta de ambição, mas da ausência de uma real elaboração sobre os temas que o filme evoca: a pressão pelo desempenho, a masculinidade tóxica do esporte, a sedução da figura carismática que aos poucos revela sua face destrutiva. GOAT toca nesses elementos, mas nunca os tensiona até o limite; prefere sugerir densidade sem de fato explorá-la. Assim, resta um filme que, embora visualmente interessante e atmosférico, acaba refém da própria pretensão.

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Ainda assim, mesmo diante de atores que comprometem um pouco a experiência, GOAT cumpre seu “papel” dentro de um espectro importante do horror sugestivo: aquele que não nos permite escapar. Se o terror direto nos faz saltar da cadeira e rir de nervoso, o terror sugestivo nos prende ao assento, respirando curto, esperando uma liberação que nunca chega.

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Caique Henry
Caique Henryhttp://estacaonerd.com
Entre viagens pelas galáxias com um mochileiro, aventuras nas vilas da Terra Média e meditações em busca da Força, encontrei minha verdadeira paixão: a arte. Sou um apaixonado por escrever, sempre pronto para compartilhar minhas opiniões sobre filmes e músicas. Minha devoção? O cinema de gênero e o rock/heavy metal, onde me perco e me reencontro a cada nova obra. Aqui, busco ir além da análise, celebrando o impacto que essas expressões têm na nossa percepção e nas nossas emoções. E-mail para contato: [email protected]
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