Em tempos de romances instantâneos e crises de identidade espiritual, Ninguém Quer volta à Netflix tentando provar que o amor ainda pode sobreviver ao cinismo. Criada por Erin Foster, a série nasceu como uma comédia romântica moderna sobre as colisões entre fé, neuroses e o desejo de pertencer a algo — ou a alguém. Na primeira temporada, a história de um rabino (Adam Brody) apaixonado por uma podcaster agnóstica (Kristen Bell) equilibrava humor e vulnerabilidade, tratando o tema da conversão religiosa com mais delicadeza do que parecia possível.
Mas na segunda temporada, essa tensão entre o sagrado e o profano, o amor e a culpa, parece ter se diluído em uma rotina de piadas e pequenas crises domésticas. Ninguém Quer continua sendo espirituosa, mas perde um pouco da centelha que a tornava singular. É como se a série tivesse se tornado a própria relação que retrata: confortável, charmosa, mas vivendo de lembranças do que já foi mais intenso.
Com novos showrunners (Jenni Konner e Bruce Eric Kaplan, ambos egressos de Girls), a temporada busca reorganizar a bagunça emocional da anterior. O problema é que, ao tentar corrigir os excessos, ela também neutraliza parte da graça. Joanne e Noah continuam divididos entre o amor e as diferenças de fé, mas o roteiro parece preso a uma dúvida que já foi respondida — e respondida melhor. Falta conflito verdadeiro. Falta até um pouco de fé na própria história.

A química entre Adam Brody e Kristen Bell, que sustentava o ritmo da série, segue funcionando, embora mais protocolar. Eles são dois atores inteligentes demais para não encontrar humor na exaustão, e talvez seja esse o segredo de Ninguém Quer: transformar o desgaste em estilo. Ainda assim, os personagens orbitam em torno dos mesmos dilemas, e o roteiro se apoia mais na trilha sonora pop (com Chappell Roan, Charli XCX e Sabrina Carpenter) do que nas ideias. O resultado é uma série que parece tão viciante quanto uma boa playlist — fácil de ouvir, difícil de lembrar depois.
O que mais chama atenção nesta nova fase é a tentativa de reparar o tratamento dado às personagens femininas judias, antes retratadas de forma quase caricata. Agora, Bina (Tovah Feldshuh) some da trama e Esther (Jackie Tohn) ganha contornos mais humanos — o que é ótimo, mas também revela uma espécie de “correção política tardia” que tira a tensão de cena. A série quer ser justa, mas acaba se tornando um pouco inofensiva.
Ainda assim, há lampejos do frescor original. As interações entre Joanne e sua irmã Morgan (Justine Lupe, hilária como sempre) mantêm o tom ácido e caótico que dá ritmo à narrativa. E as participações de Seth Rogen e Kate Berlant, como rabinos de uma sinagoga progressista, são puro deleite: um retrato caricato, porém afetuoso, dessa espiritualidade californiana que mistura meditação, comédia e terapia de casal.

No fundo, Ninguém Quer continua falando sobre algo que a maioria das comédias românticas evita: o amor quando já não é novidade. A relação entre Noah e Joanne é o retrato do esgotamento moderno — duas pessoas tentando conciliar crenças, carreiras e podcasts enquanto o mundo gira mais rápido do que seus sentimentos. E talvez seja por isso que a série ainda funcione, mesmo quando tropeça: porque entende que o amor, como a fé, é feito de dúvidas mais do que de certezas.
No fim, Ninguém Quer não é mais a comédia que questionava tabus religiosos nem a sátira sobre o amor millennial. É um retrato de dois adultos tentando continuar acreditando — um no outro, no mundo, ou em qualquer coisa que ainda faça sentido. A série pode ter perdido o frescor, mas mantém algo raro: a capacidade de rir das próprias contradições. E, convenhamos, esse já é um milagre e tanto.


