seg, 24 novembro 2025

Crítica | Sonhos de Trem

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Uma questão recorrente no cinema independente contemporâneo dos Estados Unidos é a maneira como certas fórmulas são absorvidas pelos cineastas, resultando em filmes cuja visualidade e narrativa, quando não previsíveis, são tão reiteradas que a própria noção de “independente” se converte em estética. Há um modo de enquadrar, de narrar, de musicar, tudo dentro de um padrão específico que, com frequência, funciona tanto para a recepção crítica americana quanto, sobretudo, para as premiações. Todos os anos, cerimônias como o Oscar elegem um título de menor orçamento que dialoga, de algum modo, com valores culturais dos Estados Unidos.

Esse parece ser o caso de Sonhos de Trem, filme de Clint Bentley que chegou à Netflix. Adaptado do conto homônimo de Denis Johnson, de 2002 (posteriormente publicado como novela em 2011), o longa narra a história de Robert Grainer (Joel Edgerton), um lenhador que leva uma vida tranquila enquanto enfrenta o amor e o luto em uma época de transformações no início do século XX. Pela própria sinopse, percebe-se que a trama se desenrola como uma sequência de acontecimentos que atravessam o personagem e não o contrário. Nesse movimento de passividade, o drama se desenvolve por meio de imagens supostamente contemplativas que tentam encaixar-se no registro do poético.

Sem dúvidas, trata-se de um projeto composto por belos planos: sejam os quadros estáticos que procuram o sol nascente ou poente, a água correndo ou as ferrovias em construção, sejam os movimentos de câmera que seguem a criança correndo ou circundam o casal vivido por Edgerton e Felicity Jones. Essas imagens, porém, tentam emular uma estética consagrada por Terrence Malick — especialmente A Árvore da Vida, tão cultuado por jovens cineastas. É justamente aí que o filme revela sua filiação à estética “independente” padronizada: na tentativa de importar para si esse mesmo tipo de imagem, torna-se perceptível a autoconsciência do gesto. Em outros termos, a própria ideia do poético, ou seja, deixar-se contaminar pelo ambiente, soa artificial.

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Somado a isso, essa pretensa poesia é novamente posta em xeque pela verborragia com que o filme lida com seus acontecimentos. A narração, que poderia complementar a imagem, torna-se muitas vezes explicativa, eliminando qualquer espaço de respiro. As imagens, que deveriam sustentar-se como poéticas, não têm tempo de existir. Percebe-se uma necessidade constante de sinalizar ao espectador o que o filme deseja ser, impedindo-o de simplesmente fluir. A insistência em provocar emocionalmente o público, quase como uma propaganda, é acentuada por uma trilha sonora invasiva, que confunde dramaticidade com afetação.

Se há algo capaz de sustentar esse conjunto de equívocos, é a performance de Joel Edgerton. Seu minimalismo — os olhos que oscilam da esperança à opacidade diante das tragédias que o atravessam — demonstra um entendimento de personagem que transita com competência dentro de um filme mais preocupado com a aparência do que com a verdadeira conexão emocional de seu protagonista.
Retornamos, então, ao centro da questão: o grande problema de Sonhos de Trem é sua necessidade de enquadrar-se na ideia de um cinema independente poético, moldado à imagem de Malick ou Tarkovsky. Para isso, Bentley lança mão de todos os artifícios possíveis, num esforço de consolidação estética que, ao fim, produz um projeto vazio de imagem e incapaz de preservar o lirismo do texto de Denis Johnson. No desejo de parecer profundo, o filme esquece de sentir.

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Destaque

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