‘Eternidade’ é apenas o terceiro longa-metragem da carreira do diretor irlandês David Freyne, sendo ‘Meus Encontros com Amber’ (2020) o seu projeto mais famoso. Seu mais novo filme tem um elenco forte, com Elizabeth Olsen; conhecida por interpretar a Wanda Maximoff nos filmes da Marvel, Miles Teller; protagonista de ‘Whiplash’ (2014), Callum Turner; coadjuvante em filmes como ‘Emma’ (2020) e ‘Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald’ (2018) e Da’vine Joy Randolph; vencedora do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante em 2024 por ‘Os Rejeitados’ (2023).
Após ambos morrerem, Joan (interpretada por Elizabeth Olsen) tem sete dias para escolher com quem quer passar o resto da eternidade: com o seu companheiro Larry (interpretado por Miles Teller), com quem é casada há 65 anos, ou com Luke (interpretado por Callum Turner), a sua paixão romântica que morreu ainda jovem, há 67 anos.
A maior virtude do longa, percebida logo nas sequências iniciais, é construir seu impacto menos na grandiosidade da premissa (um limbo pós-morte onde as pessoas escolhem o tipo de eternidade que desejam viver) e mais na maneira como essa estrutura fantástica serve de lente para examinar com delicadeza a natureza frágil do amor, da memória e da própria identidade. O diretor trata o “Junction”, isto é, a estação de chegada do pós-vida onde cada pessoa precisa escolher o tipo de eternidade que viverá, como uma espécie de mercado existencial, um lugar de prateleiras emocionais, onde mundos temáticos prometem felicidade ilimitada e, ao mesmo tempo, escancaram a ansiedade que surge quando somos obrigados a decidir o que significa viver para sempre. A estação em que se passa grande parte do filme funciona como metáfora para um capitalismo “afetivo” que transforma até a eternidade em produto – uma vitrine de versões estilizadas do passado, cada qual mais sedutora que a anterior. Mas o que poderia ser apenas uma crítica social vazia se torna algo mais íntimo porque o diretor entende que, na verdade, o peso da escolha não está nos cenários, mas naquilo que carregamos conosco.

Joan, ao reencontrar Luke e revisitar a estética perfeita do seu primeiro amor, não revive somente lembranças, revive uma versão dela mesma que já não existe, lapidada pela nostalgia. Cada cenário em tela, como a montanha imaculada e fotogênica associada a Luke, ou como o subúrbio desajeitado e cheio de pequenas imperfeições ligado a Larry, opera como projeção física de um tipo diferente de memória emocional: a idealizada, que nunca muda, e a vivida, que se transforma e exige trabalho. É nesse atrito que o filme brilha. Freyne raramente sublinha suas metáforas, mas as deixa emergir pela mise-en-scène, pela encenação, pelo silêncio entre diálogos, pela forma como a câmera hesita ao acompanhar Joan, quase como se sentisse o peso de ter de escolher o que da nossa vida realmente vale atravessar o tempo. A estética “limpa”, quase mid-century, que organiza o Junction, reforça um paradoxo: tudo ali parece doce, suave, acolhedor, mas a doçura tem arestas, porque cada beleza contém a sombra de uma renúncia. E o filme pergunta, com uma sinceridade: o que resta de nós quando até o paraíso exige decisão?
Se ‘Eternidade’ se destaca entre as narrativas românticas contemporâneas, é porque Freyne não trata o amor como um destino, e sim como uma escolha moral, uma decisão que envolve responsabilidade, compromisso e, sobretudo, autoconsciência. É por isso que o arco de Joan ressoa tanto com o espectador, sua jornada não é sobre escolher “o homem certo”, mas escolher a si mesma, escolher quem ela se tornou depois de uma vida inteira que não cabe no molde idealizado do primeiro amor.
Luke representa a versão cristalizada da juventude – aquilo que a memória poliu até virar ficção – enquanto Larry é o espelho da vida real, da intimidade construída nos tropeços e reparos diários. A metáfora da eternidade, então, não é sobre perfeição, e sim sobre permanência: qual parte de nós é capaz de atravessar o infinito sem se desfazer? E que tipo de amor tem força para sustentar esse percurso? O filme sugere que a fantasia é confortável, mas estéril. Retorno, novamente, à montanha impecável de Luke que parece eterna, mas também parece morta, porque nada ali muda. A praia suburbana que Joan compartilha com Larry é limitada, simples, até banal, mas com a maré cheia da imperfeição que caracteriza tudo o que é vivo. Ao optar por esse caminho, o filme se afasta do romantismo idealizado e abraça uma noção mais adulta de afeto, que entende que amar não é reviver quem fomos, e sim aceitar quem somos agora. E, nesse sentido, a escolha final de Joan adquire potência: ela não escolhe entre dois homens, mas entre duas formas de existir. O filme transforma a eternidade em metáfora para o compromisso, não no sentido burocrático ou tradicional, mas no sentido afetivo, aquele que exige coragem para permanecer em algo que muda, que envelhece, que desafia.
No fim, ‘Eternidade’ emociona não porque oferece respostas, mas porque encara de frente o medo mais íntimo de todos, o de que, quando o futuro é infinito, nenhuma escolha parece suficiente. David Freyne, contudo, vira essa angústia ao avesso e propõe algo profundamente humano: a eternidade não é o que se promete, é aquilo que se constrói, dia após dia, até que um amor ganhe peso o bastante para sobreviver ao tempo. E é por isso que, mesmo em meio à fantasia brilhante do pós-vida, o filme nos devolve ao mais terreno dos sentimentos: a vontade de ser visto como realmente somos, e não como fomos um dia.


