Spike Lee é realmente lendário. Cada obra sua é recheada de visões únicas sobre temas tão antigos e infelizmente atuais, que cada uma delas se torna necessária. Depois de Infiltrado na Klan, O Destacamento Blood, o mais novo filme da Netflix, é mais um soco na cara da humanidade, neste caso, principalmente dos americanos. O filme parece ter sido feito para escancarar – ainda mais – o racismo presente ontem e hoje em todos os lugares, mas de uma forma direta e com uma visão própria sobre tal.
Destacamento Blood conta a história de 4 veteranos da guerra do Vietnã que lutaram juntos em 1971 e retornam ao país em busca de um tesouro por eles escondido, e do corpo de seu comandante e amigo Stormin’ Norman, vivido por Chadwick Boseman (Pantera Negra). Clarke Peters interpreta Otis, , Isiah Whitlock Jr. é Melvin, Norm Lewis é Eddie e Delroy Lindo assume o papel de Paul, que é o grande destaque do longa.
Antes mesmo da história começar, o filme narra atos e fatos históricos ocorridos nos EUA e no Vietnã durante a Guerra naquela país. Cenas muitas vezes sem filtro, chocantes, e discursos impactantes, como o de Muhammad Ali logo no início que diz: “Minha consciência não me permite atirar em um irmão. Por que atiraria neles?”; mostra que o filme não quer retratar a Guerra do Vietnã como os EUA se vangloriam em outros filmes, como RAMBO e Bradock, onde os americanos sempre são a salvação do povo e acabam vencendo, logo esta, uma guerra fracassada para os EUA. Aqui, o filme mostra o sofrimento e as dificuldades em sobreviver numa guerra, sendo preto e as dificuldades ainda maiores depois do fim da guerra.
O roteiro do filme é dividido em partes, que mesclam cenas da época da guerra, para consistência das ações do filme, com pontos atuais da sociedade e até questões morais, como por exemplo, como um negro (negro pois é assim que se intitulam no filme; se não se sentir confortável com a palavra, entenda como preto) poderia ter lutado junto com outros no Vietnã, e acabar defendendo Trump?! E essas questões não são apenas por opção do filme, elas citam fatos e dados. Na própria guerra do Vietnã, os negros eram apenas 11% da população americana, mas nas tropas do conflito, eram 32%.
Desde o reencontro dos “Quatro Bloods” no Hotel até a busca pelo tesouro na selva vietnamita, o filme se desenrola muito bem, criando empatia entre os personagens e reforçando que a união destes é necessária tanto quanto foi para saírem juntos da guerra. A partir deste ponto o filme começa a desenvolver outra narrativas para transformá-lo também em um filme de ação, o que faz com que se torne mais longo do que deveria, não atrapalhando sua intenção, mas sim a atenção que dedicamos a ele.
Outro ponto positivo é a fotografia do filme, dirigida por Newton Thomas Sigel (“Bohemian Rhapsody”), e que mostra em formatos de filme antigo e atuais, como o Vietnã mudou e como deve ter sido tão difícil lutar uma guerra no meio da selva desconhecida, quente e voraz.
A trilha sonora também é icônica, focando em Jazz e com letras carregadas de críticas sobre violência e guerra, assim como eram ouvidas pelos soldados durante a guerra, dando tom exato a cada ação do filme.
Em uma época de protestos tão atuais sobre racismo, que remetem os protestos ocorridos em 1968 após a morte de Martin Luther King Jr., que é várias vezes citado no filme, Destacamento Blood usa com perfeição uma guerra real e seus sacrifícios e sofrimentos para mostrar, desde aquela época, a guerra diária que pretos e pretas lutam todos os dias para sobreviver.