Eu tenho o prazer de conversar com o Felipe Barros e o Tharcisio Vaz criadores do Projeto Breu – Ataque das Sombras, que foi contemplado na última edição do Edital Rumos do Itaú Cultural.
Felipe e Tharcisio, primeiramente é uma honra entrevistá-los, eu gostaria que vocês se apresentassem e dissessem qual foi o papel de cada um na criação do projeto.
Tharcisio: Meu nome é Tharcisio Vaz, sou compositor para games há cerca de 10 anos. No jogo Breu: Ataque das Sombras fiquei responsável pela composição da trilha sonora e direção das locuções das versões português e inglês.
Felipe: Meu nome é Felipe Sousa, sou Game designer há 8 anos. Fui responsável pelas mecânicas e pela gerência do projeto Breu: Ataque das Sombras.’
Como surgiu a ideia do Breu: Ataque das Sombras e como vocês conseguiram colocá-la em prática?
Felipe: Nós formulamos o jogo partindo principalmente de uma premissa de nossa capacidade de produção sonora. Sendo uma equipe independente e pequena, tínhamos 2 profissionais de áudio dedicados, o que é um luxo nesse cenário. Pensamos e partindo de algumas provocações se seria possível formular um jogo sem nenhuma interface visual, e assim conhecemos os audiogames. Convidamos um amigo, Antônio Caetano, que estava produzindo contos, e aos poucos modelamos como poderia ser essa experiência, e como o foco narrativo era importante. A princípio seria um jogo só, e trabalhamos no que seria o roteiro dessa história. Fomos contemplados pelo edital da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, e ao iniciar a produção, notamos que não seria possível cobrir a história inteira em um jogo. Optamos por fragmentar o jogo em 3 partes, e concluímos o que deveria ser a primeira parte. O primeiro jogo se concentrou em um modelo de gameplay que tentasse oferecer ao jogador a liberdade de movimentação completa, e aprendemos muito no processo de produção. Dito isso, após o lançamento entendemos que esse foco obstruiu a possibilidade dos jogadores de aproveitar a história, uma vez que essa liberdade de movimentação veio com muita dificuldade de navegação. Mesmo oferecendo alguns recursos, os jogadores acabavam se frustrando e não avançavam muito. Então, durante a preparação para Breu 2, apresentei uma reformulação de gameplay, que deveria focar mais nas decisões do jogador, e ampliaria o grau de acessibilidade do jogo.
Felipe, em que momento você percebeu a necessidade de criar um jogo para as pessoas com deficiência visual e como tornou isso possível?
Eu penso, que todas as pessoas tem direito a acessar diferentes tipos de entretenimento. Infelizmente, para os deficientes visuais essa oferta é infinitamente menor, e por vivermos numa sociedade pautada pelos aspectos visuais o interesse de desenvolvimento é bastante baixo. Eu tive a sorte de contar com uma equipe disposta a investir em uma produção experimental, e com investimentos da Secretaria de Cultura e do Itaú Cultural pra realização dos jogos. Sem esse apoio dificilmente teríamos concretizado os planos. Ideias interessantes, equipe disposta e recurso pra fazer acontecer.
Tharcisio, em um jogo como o Breu toda a parte sonora acaba sendo primordial, como foi adaptar o áudio do game para a jogabilidade?
O Breu é um grande laboratório de experimentações para mim e para o Vicente, sound designer do projeto. Produzir um jogo sem recursos visuais representa um grande desafio para o profissional de áudio, uma vez que a imagem já indica ao jogador sua posição no mapa do jogo, objetivos, seu desempenho, objetos que pode interagir, seu formato, peso etc. Ou seja, boa parte das informações que o jogador precisa pra entender o jogo e interagir nele já estão postas na imagem. Por isso, um audio game demanda bastante cuidado em sua concepção sonora, já que a ausência de recursos visuais não quer dizer que devemos `entupir´ o jogo de sons, já que isso sobrecarregaria o jogador de informações, gerando uma fadiga auditiva, tornando sua experiência confusa e quebrando sua imersão. Dito isso, debatemos bastante sobre como definir muito claramente a função de cada elemento sonoro na experiência do jogador. Então, por exemplo, decidimos manter as locuções interfaciais, geradas por leitor de tela, somente no menu do jogo para ajudar o jogador a acessar opções importantes como iniciar o jogo, controlar volumes, etc. Já as locuções gravadas pelos atores têm como foco apresentar a estória do jogo e cada personagem da forma mais expressiva possível (por vezes extrapolando um pouco para o caricato) com o intuito de criar uma imagem mental de cada deles para o jogador, já que só se pode escutar suas vozes. Os efeitos sonoros são fundamentais para ambientar e posicionar o jogador no universo do jogo, perceber os elementos e sons ao seu redor, objetos que interage, sons para indicar quando pode voltar a interagir depois de uma cutscene etc. Por fim, a música é responsável por criar uma ambientação de suspense, mistério e estabelecer um vínculo afetivo, uma empatia com o Marco, personagem principal da estória. A música representa as emoções de Marco, seus medos e anseios a cada momento da estória.
Gostaria que vocês me falassem de uma forma geral sobre a história do jogo e também como as pessoas que possuem alguma deficiência visual podem jogar?
Felipe: O jogo segue uma estrutura de “choose your own adventure”, onde o jogador é apresentado a situações e precisa escolher caminhos pra progredir. Em Breu você vive a história de Marco, 33 anos, cego desde os 18 por um acidente, que busca por seu avô desaparecido alguns dias, enquanto uma onda de mistério envolve Angaquara em que relatos de criaturas andam à solta na mata. No jogo Marco vai descobrindo pistas sobre seu avô, e sobre essas misteriosas criaturas. Para jogar, o jogador em seu computador seleciona as opções apresentadas. Inicialmente é apresentada a área que o jogador se encontra. Depois é oferecida uma opção. O jogador pode navegar entre as opções com as setas, e selecionar com o enter. O jogador pode se mover pra áreas diferentes, ou investigar itens presentes na área em que se encontra. Como toda a relação de jogo se dá por informações sonoras, é possível jogar sem olhar pra tela.
Vocês tiveram algum tipo de consultoria de pessoas com deficiência visual?
Tharcisio: É importante destacar a participação do Victor Caparica que nos fez consultoria pra esse projeto. Caparica é um assíduo jogador de audiogames, e foi muito importante ter suas validações durante as fases de processo do jogo. Mesmo quando formulamos um jogo que prescinde de informações visuais, nós temos o suporte visual durante todas as execuções, e é natural que alguns aspectos não atendam plenamente esse público. O acompanhamento de Caparica foi fundamental para garantir esse cuidado, e como um jogador, mestre de RPG e programador, foi um apoio que discutia caminhos possíveis entendendo impactos e propondo soluções. Fica um agradecimento especial.
Vocês tiveram alguma inspiração para criar o projeto, como por exemplo, algum jogo já existente?
Felipe: Durante o período de pesquisa sobre o jogo conhecemos alguns jogos que foram referências importantes. Uma das mais importantes foi “A Blind Legend”. O jogo foi desenvolvido por um estudio Francês, e levantou recursos através de uma plataforma de financiamento público. A campanha era muito interessante, e eles souberam explorar muito bem a curiosidade de jogadores videntes. Outras referências apareceram ao longo da produção e estudo, como Swamp, Manamon, Paladin of the Sky, entre outros.
Tharcisio: Além dos jogos já citados pelo Felipe que influenciaram no desenvolvimento do Breu, tenho acompanhado alguns jogos que se destacaram na indústria por investirem em recursos de acessibilidade. Alguns exemplos são o ´The Vale´, um audiogame que chegou a ser indicado no The Game Awards do ano passado e o The Last of Us: Part II, que apesar de não ser um audiogame, propuseram alguns recursos que permitiram um maior acesso aos jogadores cegos. Tenho notado um maior interesse da indústria de jogos em geral (incluindo jogos AAA) em oferecer recursos de acessibilidade, o que pode eventualmente nos apontar novos caminhos para experimentar, criar e implementar em nossos jogos. Em termos de ambientação sonora, jogos como Amnesia, Diablo II e Dead Space influenciaram bastante meu trabalho no BREU também.
Eu queria saber de vocês enquanto jogadores, quais games estão jogando no momento?
Felipe: Infelizmente tenho jogado pouco, mas hoje estou me preparando pra tentar jogar Sonic Frontiers, e Return to Monkey Island. Dos jogos mais recentes que joguei, estão Dodgeball Academia, Breath of Fire 2 e Pokémon Legends Arceus.
Tharcisio: A correria do dia-a-dia também não tem me possibilitado jogar tanto quanto gostaria. Mas alguns jogos que tenho jogado um pouco recentemente são Stray, Amnesia Rebirth, Garden Story e Prodeus. Outros que estou de olho é o novo God of War Ragnarok (recém-lançado) e para o próximo ano (espero), o Final Fantasy XVI e o The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom. Final Fantasy e Zelda são amores eternos desde a infância.
Como as pessoas podem adquirir o Breu: Ataque das Sombras?
Felipe: Hoje nós temos o jogo disponível no itch.io (breu.itch.io/breu-adsombras), mas em breve estaremos disponibilizando o jogo também na Steam;
Vocês estão trabalhando em mais algum jogo ou outros projetos audiovisuais no momento?
Felipe: A princípio nós estamos fazendo ajustes e dando suporte ao Breu: Ataque das Sombras, mas temos o Breu 3 já em fase de planejamento, e sempre tentamos manter um ou dois projetos em desenvolvimento, mas sem recurso específico, o ritmo costuma ser mais lento.
Para quem quiser conhecer mais do trabalho de vocês, quais são as suas redes sociais?
Tharcisio: As pessoas podem ter mais informações e novidades sobre o BREU no Twitter e Instagram (@breuaudiogame) e no Youtube (https://www.youtube.com/channel/UCvBW8qNk7Ot_OL59CGmOHYg). Minhas redes pessoais são @tharvaz (Twitter e Instagram).
Felipe: Uso mais o twitter, @tottoroz e tenho o @felipebasou no Instagram.