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    Cine PE 2024 | Grande Sertão

    Ousada releitura de clássico da literatura brasileira mira e acerta no experimentalismo, mesmo que isso não venha a agradar todo o público.

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    O filme de abertura do Cine PE 2024 – Ver, Ouvir, Sentir, Grande Sertão, de Guel Arraes (O Auto da Compadecida, Lisbela e o Prisioneiro) adapta para a modernidade a o clássico já moderno de João Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas. No longa-metragem, a comunidade periférica chamada “Grande Sertão” sofre com a constante guerra entre polícia e bandidos, que ocasionam constantes conflitos entre lealdade e traição, vida e morte, Deus e o diabo, o bem e o mal. No meio desse cenário caótico, uma curiosa relação de afeto entre os jagunços Riobaldo (Caio Blat) e Diadorim (Luisa Arraes) representa esses paradoxos enfrentados pela periferia.

    É de grande ousadia e apreço por riscos adaptar uma das obras mais complexas da língua portuguesa para outras formas de linguagem. Tanto Bia Lessa, em sua adaptação teatral de Grande Sertão: Veredas, quanto Guel Arraes, que leva a intrépida e perigosa investida de Lessa, baseada no clássico texto de João Guimarães Rosa, para a sétima arte, almejam verdadeiramente reverenciar um das maiores obras da nossa literatura e fazer os curiosos paralelos entre Sertões sociais predominantes, não somente na realidade brasileira, mas de vários países cujo a história se deu por meio de conquistas, batalhas e segregações. Nas produções, tanto teatral quanto cinematográfica, fica evidente também a intenção de ser mais uma releitura do que uma adaptação propriamente dita da obra.

    Imagem: Globo Filmes/Paris Filmes

    Não é sensato ignorar o choque existente entre literatura, teatro e cinema, dentro de Grande Sertão, ora realmente estranho, ora surpreendentemente funcional. Por um lado, a bagunçada da amálgama narrativa, somada a uma edição extasiada e seduzida por cortes frenéticos de um cinema de ação de preza pela violência gráfica (o que não chega a ser um defeito) – além da inicialmente discutível troca de cenários e situações, onde o sertão se transforma na realidade difícil das comunidades de baixa renda -, é capaz de gerar estranheza e até entediar o público, principalmente tanto aquele que não tem familiaridade quanto o entusiasta da obra modernista de Guimarães Rosa. Já de outro, a empreitada corajosa quanto a narrativa e a estética de Grande Sertão pode ser comprada por quem se apega a inventividades ou por aquele público que se encanta com produções audiovisuais nacionais fora da curva. Sim, é perceptível um austero apreço da produção ambiciosa pelo diferente e em se desvincular de clichês, mesmo que alguns pareçam inevitáveis.

    Nas mãos responsáveis e criativas de Guel Arraes e Jorge Furtado (O Homem Que Copiava), o roteiro de Grande Sertão não só tem o árduo dever de trazer para a sétima arte o texto de Guimarães Rosa, já sob um olhar de arte cênica de Bia Lessa, o que se mantém por conta da proposta do longa-metragem, mas também de manter a história de amor impossível e a frente de seu tempo de Diadorim e Riobaldo, levando para uma juventude que pode se conectar com tal história. Interpretados respectivamente por Luisa Arraes e Caio Blat, os personagens estão bem representados e caracterizados de tal maneira que suas emoções chegam a extrapolar, porém por uma boa razão. A liberdade em esbanjar sentimentos aqui é clara, como fruto de uma adaptação teatral do texto, e, com a direção cuidadosa de Guel Arraes, sobretudo nos monólogos longos e repetitivos de Riobaldo, somos convencidos de que a proposta mais dramática da obra funciona.

    Imagem: Globo Filmes/Paris Filmes

    Caio Blat é onipresente em toda a narrativa e não resta dúvidas de que seu papel é um dos mais desafiadores do longa, assim como de Luisa Arraes. Ambos brilham em todos os seus momentos, agregando ao longa-metragem atuações viscerais e repletas de paixão. O mesmo pode ser dito facilmente de Rodrigo Lombardi, como o líder dos jagunços Joca Ramiro, Mariana Nunes, no papel de Otacília e, principalmente, de Luiz Miranda, na pele de Zé Bebelo que representa a lei e a ordem, e Eduardo Sterblitch, como o jagunço traidor Hermógenes, cujo a caracterização amedronta e tende a apresentar traços de humor ácido.

    Em 1 hora e 48 minutos de filme, Grande Sertão consegue adaptar moderadamente o extenso texto de João Guimarães Rosa. Sente-se falta em mais detalhes sobre as passagens do pacto de Riobaldo com o demônio, ou uma sequência mais detalhada no julgamento de Zé Bebelo. Apesar desses dois momentos importantes estarem no filme, faltou um impacto necessário nas suas adaptações. Por outro lado, já foi de uma extrema proeza da produção adaptar um livro tão importante para a literatura da Língua Portuguesa e, ainda por cima, de maneira autoral e criativa, para uma linguagem e cenário modernos que fazem paralelos com a obra original. Pode não agradar a todos, devido a evidente estranheza e ritmo desordenado da história, mas, provavelmente, será abraçado por quem aprecia uma releitura diferenciada.

    Elenco e equipe de Grande Sertão no Cine PE. Imagem: Lucas Rigaud

    Grande Sertão foi a produção audiovisual que abriu a edição de 2024 do Cine PE, levando um grande público para o Teatro do Parque, no centro do Recife. Contou com a presença do diretor Guel Arraes, recifense e que, atualmente, trabalha na produção de O Auto da Compadecida 2, além de parte do elenco principal.

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