Na terceira noite do CinePE, tivemos a estreia de Cordel do Amor sem Fim, um filme baseado na homônima peça teatral de Claudia Barral, adaptada e dirigida por Daniel Alvim. É interessante perceber como o longa se apropria de uma estética teatralizada, emulando um cinema fabulesco, seja nas interpretações ou nos cenários, o que nos faz pensar na própria ideia de um cordel filmado. A literatura de cordel, tradicionalmente contada em versos rimados e ilustrada com xilogravuras, retrata histórias populares, mitos e lendas regionais.
Quando transportada para a linguagem cinematográfica, essa construção ganha uma nova dimensão, mantendo seu caráter poético e visualmente marcante. A narrativa poética e rimada é uma das características mais distintivas desse cinema. Os filmes frequentemente utilizam diálogos e narrações que seguem o ritmo e as rimas do cordel, conferindo uma musicalidade e uma cadência únicas à obra. O Auto da Compadecida, por exemplo, segue essa ideia ao transportar a fábula nordestina para a tela do cinema com um estilo que aproxima o espectador da tradição oral, evocando a sensação de estar ouvindo uma história contada por um trovador.
Diante disso, Cordel do Amor sem Fim abraça essa estetica, tanto em aspectos formais quanto textuais do cinema fabulesco, utilizando elementos gráficos que remetem às xilogravuras dos folhetos de cordel. Essa influência é evidente nos poucos e estáticos cenários, nas cores vibrantes, nas sequências de abertura e nas transições entre cenas, e principalmente, na narração. O filme de Daniel Alvim apresenta ideias interessantes, especialmente ao enfrentar o desafio de criar um universo que combine a dinamicidade das imagens em movimento com a estaticidade do teatro e do cordel.
Considerando que o teatro, por essência, trabalha com exageros, transportar essa característica para o cinema, especialmente nos dias de hoje, onde o público tende a buscar realismo, é uma tarefa complexa. De certa forma, Cordel do Amor sem Fim emula bem essa teatralidade e sua caricatura. As atuações são, a meu ver, um ponto positivo, revelando na tela a essência fabulesca que brinca com a poesia das palavras e dos olhares.
No entanto, Cordel do Amor sem Fim acaba se perdendo em sua própria estrutura formal. Em sua busca por uma seriedade melancólica e, em outros momentos, por uma teatralidade melodramática, o filme se confunde em sua própria proposta. O problema não reside na mudança de tom ou estilo, mas na maneira como essa transição é executada. Apesar do design de produção visualmente deslumbrante, repleto de cores vibrantes, personagens com nuances interessantes e cenários belíssimos, o filme não consegue criar um impacto visual e narrativo significativo.
A falta de “coesão” entre os elementos formais e textuais resulta em uma experiência fragmentada, que dificulta a imersão do espectador. O potencial artístico de “Cordel do Amor sem Fim” é evidente, mas a execução “falha” em harmonizar suas diversas influências e estilos. Assim, o filme, embora visualmente atraente, deixa a desejar na maneira que o autor decide escrever (com a câmera-caneta) essa história. Para além do que se vê diante da tela que aponta o olhar, o problema está na própria decupagem de Alvim que não sustenta sua forma. Cordel do Amor sem Fim apresenta uma história sobre três mulheres em um contexto social patriarcal, explorando temas como medos, angústias, sofrimento e amor.
No entanto, o filme não só nega seu próprio tempo como também falha em gerar impacto. A questão não reside na ausência de uma mensagem específica, pois o cinema não é um aplicativo de texto, mas sim na maneira como a inexperiência de Alvim impede que a atmosfera da obra se desenvolva plenamente. Alvim tenta criar uma série de movimentos e planos, mas nada parece funcionar. Imagem, som e narrativa operam em frequências diferentes, resultando em uma dissonância perceptível, como se fosse um cordel sem rimas.