O premiado documentarista Marcelo Pedroso (de Brasil S/A e Pacific) apresentou pela primeira vez o longa “Por trás da linha de escudos”, em 2017, nos festivais de cinema de Cachoeira (BA) e Brasília (DF). Nessas ocasiões, o documentário foi recebido pelo público de forma crítica, levando a equipe realizadora a retirar o título de circulação. “Diante do momento histórico que estávamos vivendo, nos pareceu impossível continuar veiculando aquele filme”, afirma o diretor e roteirista em narração no início da versão inédita, trabalhada nos últimos anos. Essa nova montagem será relançada em 29 de junho de 2023.
A estreia acontecerá no Cinema Dragão do Mar (Fortaleza) e no Cinema da Fundação Joaquim Nabuco (Recife). No dia 30 de junho, sexta-feira, a sessão das 19h20min, na capital pernambucana, será seguida de debate. Em Maceió, as exibições começam em 6 de julho, no Centro Cultural Arte Pajuçara.
O BPChoque (Batalhão de Polícia de Choque) foi criado em 1980 com o objetivo de controlar distúrbios civis, rebeliões em estabelecimentos prisionais e garantir a segurança em estádios desportivos e em eventos com multidões. No documentário, o diretor e a equipe acompanham algumas operações de rotina, registram o interior da corporação e os treinamentos no batalhão.
O quarto longa de Pedroso teve como ponto de partida os embates entre a PM de Pernambuco e os ativistas do Movimento Ocupe Estelita (MOE). O movimento teve início em 2012, e a reintegração de posse do terreno aconteceu em junho de 2014 no cais da capital pernambucana. O cineasta era um dos militantes da causa. O uso de força naquele episódio, utilizando as armas tradicionais (spray de pimenta, gás lacrimogêneo e balas de borracha), ficou marcado na história da militância pelo direito à cidade no Recife.
Ao abordar a questão da segurança pública no Brasil, “Por trás da linha de escudos” assume uma postura crítica sobre o caráter militar da polícia. O filme postula que, ao atribuir à polícia a lógica de um exército, o Estado Brasileiro implementa um aparato de violência voltado para controlar ou dirimir parcelas da população brasileira que são tratadas como inimigas. Não por acaso, estes setores da população correspondem justamente às camadas periféricas, não-brancas, historicamente desprovidas de direito. Ao levantar a bandeira da desmilitarização da polícia, o documentário alinha-se à luta histórica de movimentos em defesa de justiça social.
O longa circunscreve sua crítica à lógica estrutural da violência operando uma escuta dos policiais. Reconhecidos enquanto sujeitos, os agentes da repressão são acessados pelo documentário dentro das próprias limitações impostas pelo militarismo. Ao longo das entrevistas, vai-se constatando a eficácia da doutrina militar em cercear a possibilidade de surgimento de um senso crítico e até mesmo de empatia entre integrantes da corporação.
A pesquisa para realização do filme começou em maio de 2016, e as filmagens aconteceram entre os meses de agosto e setembro daquele ano, bastante simbólico para o Brasil e o mundo, quando aconteceu o golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff.
A decisão por reutilizar o material bruto do longa original em uma nova edição chama atenção para uma característica da obra do diretor e roteirista, que sempre evidencia a potência do dispositivo nos seus documentários e tensiona a relação do olhar do realizador com as imagens do real, provocando questionamentos. O trabalho de reedição do material foi conduzido por Pedroso e pelo montador do filme, o também realizador Ernesto de Carvalho.
Trabalhando na área do audiovisual há quase 20 anos, Marcelo Pedroso é cofundador da Símio Filmes, produtora de cinema recifense. Entre as obras que realizou, estão os longas-metragens Brasil S/A (2014, melhor roteiro e direção no Festival de Brasília), Pacific (2009, melhor longa no Cine Esquema Novo), KFZ-1348 (2008, Prêmio do Júri da Mostra de São Paulo) e os curtas Câmara Escura (2012, melhor filme no Curta Cinema – RJ) e Corpo Presente (2011, melhor montagem na Mostra de Londrina).
O diretor é doutor em Cinema pela Universidade Federal de Pernambuco, com pesquisa sobre documentário contemporâneo. Ele atua também como educador, lecionando atualmente na Universidade Católica de Pernambuco e na UniAeso, além de ter dado cursos e oficinas em diversas regiões do país.
A produção de Por trás da linha de escudos é assinada por Kika Latache e Lívia de Melo, com fotografia de Luis Henrique Leal, som direto de Rafael Travassos e direção de arte de Carlota Pereira. O longa teve financiamento do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), Ancine, BRDE e do Governo do Estado de Pernambuco, através do Funcultura – 8° Edital do Programa de Fomento à Produção Audiovisual de Pernambuco.
POR TRÁS DA LINHA DE ESCUDOS
(Longa-metragem documental | 96 minutos | Cor | 2023) | Classificação Indicativa: 10 anos
Estreia nacional nos cinemas: 29 de junho de 2023
SINOPSE: Uma equipe de cinema consegue acesso ao Batalhão de Choque da Polícia Militar de Pernambuco – unidade policial treinada para lidar com a repressão de aglomerações de civis, incluindo protestos e manifestações. Desta aproximação, surge a primeira versão de Por trás da linha de escudos, lançada em 2017. Alvo de críticas, o filme é retirado de circulação pela equipe, que decide realizar uma nova edição do documentário a partir do mesmo material bruto. Além de apresentar o cotidiano e o ponto de vista dos policiais, o longa, agora, também comenta a própria feitura do documentário, seus dilemas e contradições.