Exibido no CinePE 2024 e vencedor do Calunga de Prata de Melhor Fotografia e Melhor Som no festival, o documentário Geografia Afetiva mostra a cineasta Mari Moraga em uma jornada de afeto pela sua família, separada contra a vontade por conta dos conflitos da guerra civil em El Salvador, na década de 1980, por meio de depoimentos e histórias de luta, resiliência e saudades, em 3 países distintos.
Entre 1979 e 1992, a guerra civil em El Salvador devastou o país centro-americano, como também afetou diversas famílias, que tiveram que se fragmentar, para poder escapar da violência e perseguição, por diversos cantos do mundo. Inspirada pela história da própria família e de tantas outras, a cineasta Mari Moraga, através da sétima arte, parte numa jornada ora introspectiva, a fim de se conectar com suas raízes, ora com o objetivo de reunir seus entes queridos que foram forçados a se separar e acostumar-se a novos ares, em seu documentário em longa-metragem Geografia Afetiva, uma das produções que mais comoveu a noite da mostra competitiva de filmes do festival CinePE 2024.
Bem equipada de ideias, objetivos e, principalmente, de uma admirável sensação de dever em ter que repassar para o mundo como a emocionante história da sua família reflete numa triste realidade enfrentada por refugiados de vários países, Mari Moraga não hesita em fazer um uso bem proveitoso da sétima arte para ilustrar os acontecimentos relatados e revistados. Seguindo um roteiro bem planejado e construído através de minuciosas pesquisas e, sobretudo, sensibilidade, Geografia Afetiva conta com uma escrita dinâmica, que ostenta conhecimento, mas que deixa de lado detalhes mais indicativos sobre o momento da história de El Salvador que levou a separação da família da diretora. Fica evidente que focar detalhadamente na guerra civil não era intenção do texto de Moraga e André Luis Garcia, que aproveitam essa base para o desenvolvimento de louváveis alusões e breves passagens críticas ao ocorrido e a interferência do governo dos Estados Unidos no conflito.
O cinema é uma verdadeira janela aberta para histórias intensas e comoventes, sendo muitas delas verídicas e quase esquecidas. Geografia Afetiva utiliza, com gosto, essa oportunidade dada pela sétima arte de dar voz a histórias pouco comentadas pela mídia. Cada depoimento de familiar da cineasta comove, impressiona e até nos revolta, como o caso de um dos primos, que ficou sob os cuidados da avó em El Salvador quando os pais tiveram que sair do país; quando criança, a caminho da escola, ele se deparava com corpos espalhados pelas ruas da cidade. O pai da cineasta, Luís, veio parar no extremo sul do Brasil, enquanto seu próprio pai e parte dos irmãos se refugiaram no Canadá. A parte da família que permaneceu em El Salvador, através de relatos fortes e corajosos, detalha a violência de grupos paramilitares.
Com uma exímia direção de fotografia sob a responsabilidade de Luciana Baseggio e da própria Mari Moraga, o filme conta com belos enquadramentos cujas imagens que compõe a cena parecem isoladas, distantes ou, por vezes, o contrário, aparentando próximas ou até presas, simbolizando sentimentos múltiplos de isolamento, tristeza e necessidade de afeto e de estar perto de quem você ama.
Carregando consigo um genuína sensibilidade e uma linguagem refinada e cheia de poesia para o cinema documental, Geografia Afetiva é uma produção repleta de afeto e carinho, que parece encobrir toda a tristeza da separação forçada de uma família com um abraço reconfortante.