ter, 13 maio 2025

Crítica | A Avaliação

Publicidade

A história se passa em um mundo devastado pelas mudanças climáticas. Com os recursos naturais escassos e racionados, o sonho de ter um filho tornou-se um privilégio raro, concedido apenas àqueles que passam por um rigoroso processo de seleção. Esse exame busca provar se o casal é digno de criar uma criança em um planeta onde a natalidade é controlada. Mia (Elizabeth Olsen) e Aaryan (Himesh Patel) estão entre os poucos casais autorizados a participar do processo, que dura sete dias sob o olhar da avaliadora Virginia (Alicia Vikander). A breve sinopse de A Avaliação, filme de Fleur Fortuné, e disponível no catálogo do Prime Video Brasil, parece resumir bem algumas das questões que orbitam os filmes de ficção científica produzidos nos últimos anos nos Estados Unidos: uma crise climática, um local frio cuja arquitetura é de linhas retas, um casal que precisa enfrentar alguém tão frio quanto o sistema e, claro, uma discussão em torno do relacionamento e da natalidade. 

O projeto preenche todos os requisitos básicos de um filme cujas ideias fomentam diversas possibilidades de caminho e que crê, veementemente, que a estranheza parte das interações não-esperadas dentro da narrativa. Contudo, estas soam forçadas, quase mecânicas. O jogo de tensões afetivas e sexuais entre os três personagens parece mais uma construção artificial do que uma dinâmica viva. Tudo isso é envolto por uma estética polida e calculada, com uma rigidez formal que, ainda que tenha sido diretamente inspirada de uma pintura de Piet Mondrian, pouco oferece de abstrações. Ou seja, o exercício estético serve mais como disfarce para a falta de profundidade do que como recurso expressivo. De toda maneira, o filme se esforça para que sua narrativa se construa em cima de algo substancial, contudo todas as escolhas vão de encontro ao que se espera de um filme indie americano. 

Se antes, boa parte dessas produções acreditavam na ousadia audiovisual a partir da quebra de códigos, hoje boa parte deles assimila aquilo que é tido como sucesso comercial e pouco avançam além do que já se espera deles. Ou seja, você vai encontrar um casal cujas crises são perceptíveis e que vão explodir a partir de uma traição; uma cena cujas luzes que piscam e a trilha sonora em um grave crescente vão identificar que a relação entre dois personagens está vazando para além do que supostamente deveriam ser; uma relação tecnológica que logo se revelará questionável e indicará os caminhos para o desfecho, enfim. De forma geral, o filme se torna um projeto de portfólio para a diretora Fleur Fortuné, porque o filme carrega uma ideia extremamente específica, e cada vez mais padronizada, de como gerar engajamento por meio de escolhas muito bem fabricadas. 

Publicidade

E aqui utilizo o termo “engajamento” em seu sentido mais técnico: aquilo que pode ser mensurado em cliques, visualizações, tempo de tela e outras métricas amplamente utilizadas por plataformas digitais. Já a palavra “fabricadas” remete à lógica industrial do produto cultural: decisões estéticas que não nascem de uma necessidade artística, mas de um cálculo prévio, de uma estratégia que visa tornar o conteúdo mais palatável, consumível e, sobretudo, clicável. Esse raciocínio se expressa, por exemplo, na fetichização de uma estética “mondrianizada”, planos milimetricamente compostos, paletas organizadas com a obsessão de um algoritmo e uma mise-en-scène que finge sofisticação enquanto apenas emula um padrão visual reconhecível como “cult”. Trata-se de um verniz moderno aplicado com precisão cirúrgica, mas que pouco ou nada propõe de fato. É um uso da forma como fachada, não como linguagem. No fim das contas, estamos diante de mais um produto de streaming que aprendeu com exatidão o vocabulário mínimo de como parecer um filme indie, sem jamais se dar ao trabalho de questionar ou tensionar os códigos que reproduz. 

Publicidade

Publicidade

Destaque

A história se passa em um mundo devastado pelas mudanças climáticas. Com os recursos naturais escassos e racionados, o sonho de ter um filho tornou-se um privilégio raro, concedido apenas àqueles que passam por um rigoroso processo de seleção. Esse exame busca provar se...Crítica | A Avaliação