A Garota da Agulha – Crítica
O representante da Dinamarca, indicado ao Oscar de melhor filme internacional é A Garota da Agulha, um conto de horror, vagamente baseado em fatos reais que se passaram no país após a primeira guerra mundial.
O longa, que não deixa de ser uma espécie nada convencional de true crime, escolhe não focar na responsável pelo cometimento dos crimes que inspiraram a obra. Ao invés, acompanhamos o desenrolar dos acontecimentos pelo olhar de Karoline (Vic Carmen Sonne). Uma jovem despejada de sua casa – ou melhor dizendo, do quartinho minúsculo que alugava – por ausência de pagamento, seu marido desapareceu na guerra e sem uma comprovação de morte, ela não consegue resgatar sua pensão. O pouco que fatura em seu emprego de costureira não é suficiente para arcar com sua subsistência. Seu desespero cresce ao engravidar e ser abandonada pelo pai da criança, seu chefe que também a demite do trabalho por pressão de sua mãe.
Se vendo sem alternativas, tenta, sem sucesso, realizar um auto aborto, introduzindo em si mesma uma longa agulha – daí o título do filme. A garota é socorrida por uma senhora aparentemente bondosa, que promete ajudá-la com o seu “problema” quando a criança nascesse, mediante pagamento de uma pequena taxa. Sem conseguir arcar com a quantia exigida, Karoline oferece seu leite materno em troca dos serviços prestado pela senhora que intermediaria a adoção de seu bebê. Ela é, então, acolhida na casa da senhora, Dagmar (Trine Dyrholm), e passa a alimentar sua filha, Erena. Criando uma espécie de vínculo com as duas.
O terror do filme não está apenas na aflição constante vivenciada pela protagonista, vítima de abusos sistêmicos, abandono social e estatal. Vários elementos do gênero são empregados na construção dessa atmosfera aterrorizante e desalentadora. Em especial, destaca-se a fotografia em preto e branco, que remete ao expressionismo alemão, o realce das sombras no rosto, marcando as expressões faciais. Os cenários de pobreza e os figurinos maltrapilhos também reforçam essa sensação de desalento. Em geral, as escolhas técnicas se unem para criar um ambiente hostil e amedrontador. Não por ser fantasioso, com monstros e espíritos, mas justamente por ser real demais.
A narrativa cheia de incertezas que rondam a vida da protagonista, combinada com esse plano de fundo desolador, conduz o espectador de forma inquietante. Ainda que se torne evidente, desde logo, o que está acontecendo, a angustia persiste enquanto Karoline gradualmente se vicia em éter para lidar com os horrores presenciados, sem completamente se dar conta daquilo que o público já percebeu.
Por fim, não se pode deixar de mencionar que a carga dramática do filme se dá em boa parte graças aos talentos da dupla Vic e Trine, interpretes das duas mulheres principais. As duas comunicam, através dos olhares, toda a dor e desesperança carregadas dentro de si.
Um thriller cativante com elementos claros de horror, A Garota da Agulha é uma escolha que foge aos dramas tradicionais do Oscar, o que pode indicar uma melhora – a passos lentos – da academia, principalmente em categorias como filme internacional.