qua, 6 agosto 2025

Crítica | A Hora do Mal

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Nos subúrbios, assim como na infância, a rotina é a chave central; um elo frágil, porém inequívoco: existe a hora de dormir e existem as histórias, boas e más, que contamos para que as crianças não fujam sem permissão. No meio da noite, porém, entre bruxas, fantasmas e assassinos, há aquelas crianças que, como se atraídas pelo flautista, saem de suas camas. É neste cotidiano desfigurado que A Hora do Mal, novo longa-metragem de Zach Cregger, parece situar-se. Em uma cidadezinha qualquer – que poderia muito bem ser Twin Peaks ou Jerusalem’s Lot, de Stephen King – dezessete crianças, alunas da professora Justine Gandy (Julia Garner), desaparecem no meio da noite. Não parecem ter sido raptadas ou atraídas para um furgão misterioso no estacionamento: pelo contrário, parecem agir instintivamente quando abrem as portas de suas casas às 2h17 da manhã e partem, sem se despedir, rumo às trevas.

Na manhã seguinte, ao chegar à sala de aula, a professora surpreende-se ao notar que de seus dezoito alunos, só um está presente: o tímido e quieto Alex Lilly (Cary Christopher). A vida de Justine, ora colapsada, vira então do avesso quando torna-se alvo do tribunal da parentalidade. Os olhos acusadores dos pais voltam-se inteiramente para ela, e tudo jaz sob a tensão daqueles que permanecem sem resposta. No momento em que inicia sua própria investigação, nos mais vastos campos da bisbilhotagem pelo bem-estar pedagógico, detalhes perturbadores surgem, revelando os horrores que as fachadas suburbanas parecem querer silenciar.

Se em Noites Brutais (2022) Cregger trafega pelo subsolo, aqui ele leva seu espectador a escrutinar a superfície, buscando a serpente que lentamente se apodera do jardim. É quando olhamos, como Justine, por detrás da fenda nas janelas cobertas, que o verdadeiro perigo parece, pouco a pouco, elucidar-se. Com ares de Salem, It, a Coisa e referências a O Iluminado, sua sonata à King ganha forma: o horror que transita entre o sono e a vigília, entre o simples cotidiano e o grotesco. A narrativa de seus personagens, apresentados em uma divisão capitular, interconecta-se em uma disposição interessante, similar à de Magnólia (1999), com uma constelação de pontos de vista e eventos bizarros entremeando-se em um curto período.

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O longa não chega, contudo, a subestimar a inteligência do espectador. Suas 2h e 8 minutos não estão interessadas em seguir à risca usuais convenções do terror. A revelação até o clímax situa-se além de um didatismo pedante, e o absurdismo reafirma a originalidade de uma produção que parece abraçar o lado camp que sempre andou às voltas com o gênero. Suas bem dosadas tiradas somadas aos exageros estéticos oferecem frescor, e aparentam ter se tornado parte da identidade de Cregger, que explora a tênue fronteira entre o cômico e o horrorífico em diversas cenas que arrancam, entre suspiros de incredulidade, os risos surpresos da plateia. Em alguns momentos, porém, a trama tende a recair sobre certos arquétipos de personagens, aplainando-os em favor da narrativa.

A história deve continuar, é fato, e a crescente tensão pouco necessita de um meet & greet com suas engrenagens. Mas é justamente por serem engrenagens, e não chaves deste sistema, que os personagens parecem pouco dignos de nota, não por conta de sua moral nublada ou por uma simples falta de motivação, mas por sua unidimensionalidade. O destaque aqui vai para a presença de Amy Madigan, que guia o último ato como um planeta a ser orbitado, avultando sobre os medos mais férteis da imaginação infantil.

A Hora do Mal é, sem dúvida, um dos filmes de terror mais surpreendentes de 2025, talhando a tensão da primeira à última cena e guiando seus espectadores como as crianças que partem em direção ao desconhecido. Uma bela surpresa para os amantes de contos de horror, e, sem dúvida, uma reafirmação de que Cregger é um nome a ser observado de perto.

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