dom, 22 dezembro 2024

Crítica | A memória infinita

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Há algum tempo, fiz menção à maneira como o cinema é o reflexo de sua época. Na verdade, podemos afirmar que o cinema é o próprio retrato do tempo, constantemente datado, evocando o passado e tornando-se uma manifestação da memória. Afinal, a memória não é prospectiva; ela é a encapsulação do que já ocorreu e continua a reverberar. Nesse sentido, a interação entre memória e cinema é profundamente complexa, configurando um diálogo que transcende os limites temporais e espaciais. O cinema, como a arte da imagem em movimento, emerge como uma poderosa ferramenta para investigar a natureza da memória e suas implicações na experiência humana.

O cinema possui a capacidade singular de registrar e preservar memórias. Cada filme representa um testemunho visual de uma era, uma espécie de máquina do tempo que não apenas documenta eventos históricos, mas também captura as emoções e perspectivas daqueles que os experimentaram. Como uma forma de memória coletiva, o cinema nos permite revisitar o passado, revivendo momentos que, de outra forma, poderiam se perder na névoa do esquecimento. Nesse sentido, A Memória Infinita nos oferece um testemunho histórico autêntico, impregnado de amor e, acima de tudo, de preservação.

O documentário de Maite Alberti surge como uma antítese do Alzheimer, uma doença que gradualmente corrói a memória. Somos construídos pelo tempo, moldados por nossas próprias histórias; somos, portanto, reflexos de nossa memória. Consciente disso, Maite narra essa história com o intuito de eternizar Augusto, um homem corajoso, resiliente e verdadeiramente apaixonado – pela vida e pela esposa. Através da narrativa, Maite estabelece universos que ecoam as complexidades da memória. Cada cena e cada imagem, representa uma peça no intricado quebra-cabeça da memória, evocando emoções e provocando reflexões sobre a experiência de vida dessas duas pessoas.

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O uso de imagens de arquivo é uma prática comum no cinema documental, porém, em A Memória Infinita, parece que essa técnica adquire um peso maior. É como se essas imagens representassem a própria força de Augusto em recordar, assim como o poder do amor de Paulina em preservar. Cada frame, estático mas nunca frio, funciona como uma janela para o passado, não para reviver, mas sim para reinterpretar o presente. 

É através da memória que podemos moldar o futuro, é olhando para trás que evitaremos cometer os mesmos erros. É sob essa premissa que La Memoria Infinita não apenas aborda o Alzheimer de Augusto, mas também serve como uma recordação dos horrores da ditadura militar no Chile durante os anos 70. Olhar para o passado nos proporciona o autoconhecimento, nos permite reconhecer nossa própria fragilidade para podermos superá-la e enfrentar o futuro com generosidade, como afirma Góngora.

Sob a perspectiva do existencialismo, a memória desempenha um papel fundamental na construção de nossa identidade. Somos formados por momentos, e cada lembrança registrada em nossa mente contribui para a história que chamamos de vida. Através da memória, trazemos o passado para o presente, reacendendo emoções e contemplando as decisões que moldaram quem somos. A memória está em tudo – nas pessoas, na sociedade, no país, no continente, no mundo. De certa forma, a existência está entrelaçada com a memória, pois o tempo passado se reconstrói no presente, que por sua vez se reinventa.

No entanto, o cinema nos proporciona a capacidade de tornar uma memória infinita, de eternizar histórias de amor, cuidado, dor, luta, desespero, carinho e saudade. La Memoria Infinita nos imerge nessa narrativa emocionante sobre o próprio tempo. Através das lentes da câmera, testemunhamos a vida de Augusto e Paulina, e é aqui que o poder do cinema se manifesta. Somos transportados para um mundo que não é o nosso, mas experimentamos todas as suas emoções, desde a alegria do amor desses dois até a dor de uma memória perdida. Dessa forma, o cinema nos torna cada vez mais empáticos.

Admiro como Maite não precisa de muita coisa para nos envolver na história; apenas a contemplação dos planos é suficiente. Não é à toa que a câmera permanece quase sempre estática – não há necessidade de mais movimento. Só precisamos observar e sentir. A Memória Infinita, portanto, é um documentário que nos permite não apenas mergulhar na vida de Augusto e Paulina, mas também nos faz refletir sobre nós mesmos, sobre nossas próprias histórias e, principalmente, sobre o tempo. 

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Caique Henry
Caique Henryhttp://estacaonerd.com
Entre viagens pelas galáxias com um mochileiro, aventuras nas vilas da Terra Média e meditações em busca da Força, encontrei minha verdadeira paixão: a arte. Sou um apaixonado por escrever, sempre pronto para compartilhar minhas opiniões sobre filmes e músicas. Minha devoção? O cinema de gênero e o rock/heavy metal, onde me perco e me reencontro a cada nova obra. Aqui, busco ir além da análise, celebrando o impacto que essas expressões têm na nossa percepção e nas nossas emoções. E-mail para contato: [email protected]
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