Fran e Carlos decidem se separar após o recente suicídio do seu único filho, Felipe. Cada um começa a viver seu luto de maneira particular: enquanto a mãe busca explicações sobre o ocorrido, o pai decide se mudar para o antigo apartamento do falecido, para saber mais sobre a vida que ele costumava viver. A Metade de Nós, de Flavio Botelho, mostra com profundidade como as fases do luto são enfrentadas de maneiras diferentes, além de refletir sobre os seguintes questionamentos: “Por quê?”, “E agora?” e “O que nos tornamos quando nos falta um pedaço”?
“Como se chama uma pessoa que perde um filho?” É também a partir deste questionamento – que, se não me falhe a memória, estava cada vez mais sendo implementado, talvez não explicitamente, em louváveis produções atuais que abordam a superação do luto -, surge um argumento complexo e repleto de possibilidades para o desenvolvimento do drama A Metade de Nós, produção do cineasta Flavio Botelho (O Táxi de Escher) que funciona tanto como um ensaio sobre o luto quanto uma reflexão a respeito de como as suas fases podem se desenvolver de forma diferente nos indivíduos e como a forma de lidar com elas também pode mudar conforme o próprio ser e não ao impacto da dor.
Desde os seus primeiros minutos, A Metade de Nós é um longa-metragem decidido em mostrar em cena, evitando rodeios ou repetições, o porquê de sua temática. Evidenciando os paralelos entre dois enlutados logo em sua primeira cena, que dá ao expectador a sensação de impacto logo de imediato, a produção esteve, de fato, comprometida em trabalhar seus personagens com esmero. O roteiro, assinado pelo próprio Flávio Botelho, junto com Daniela Capelato e Bruno H. Castro se desdobra com naturalidade e resume uma história complexa de personagens repletos de nuances de forma satisfatória, sem deixar a narrativa arrastada, nem mesmo confusa.
Há, por um outro lado, um recurso que pode ser entendido por alguns como um excesso, que é intensificar as situações, usando a questão do luto como causa para as consequências mostradas em cena. São ações questionáveis praticadas tanto por Fran quanto por Carlos, que podem até parecer contraditórias para quem não permitir se aprofundar no contexto e nos paralelos com a vida real. A medida que o longa se desenvolve, entendemos que os comportamentos dos personagens principais chegam a ser compreensíveis.
Não há o que questionar das fabulosas atuações de Denise Weinberg e Cacá Amaral, como Fran e Carlos, respectivamente. Os artistas veteranos captam com maestria toda a essência de seus personagens enlutados, atribuindo a eles reações e emoções distintas diante de uma dor comum. A naturalidade dos diálogos entre os protagonistas é presente, assim como suas sub-tramas, que são funcionais e despertam interesse do público.
Ostentando uma direção de fotografia que preza por planos mais fechados, remetendo, claramente, o peso da situação enfrentada pelos protagonistas, A Metade de Nós, por vezes, erra a mão na saturação das imagens, deixando alguns frames na penumbra, mas não chegando a dificultar a compreensão da cena. No filme, é perceptível a adesão de belos enquadramentos que fazem associação a metades, ou imagens que destacam vazios, esbanjando tristeza.
Repleto de sensibilidade, A Metade de Nós é uma crônica minuciosamente moldada para demonstrar como uma dor em comum se prova distinta entre os indivíduos que compartilham do mesmo infortúnio, assim como também destaca o pedaço que falta para sustentar suas abaladas estruturas.