qui, 12 junho 2025

Crítica | A Procura de Martina

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Há filmes que nos confrontam com a fragilidade humana de modo tão visceral que ultrapassam o entretenimento para se tornar experiências quase catárticas. A Procura de Martina, dirigido com sensibilidade por Márcia Faria, pertence a essa categoria. A obra parte de uma premissa aparentemente simples – uma mulher em busca de um neto perdido – mas a transforma em um estudo profundo sobre memória, trauma e a luta contra o apagamento, tanto pessoal quanto histórico.

Martina (Mercedes Morán), uma viúva argentina cuja mente está sendo consumida pelo Alzheimer, recebe um telefonema que desencadeia sua jornada: uma pista tênue sobre o paradeiro de seu neto, desaparecido há mais de 30 anos.

Sua filha, grávida, foi sequestrada durante a ditadura militar e levada ao Rio de Janeiro, onde deu à luz em cativeiro antes de ser separada do bebê. Agora, com o tempo se esgotando e suas lembranças se dissipando, Martina viaja sozinha para o Brasil em uma busca desesperada – não apenas por seu neto, mas por um fragmento de justiça em um passado marcado pela violência e pelo silêncio.

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A direção constrói a narrativa como um mosaico de memórias frágeis, onde o Alzheimer funciona como uma metáfora potente para o apagamento histórico. A doença, que corrói a mente de Martina, ecoa a sistemática tentativa de apagar os crimes da ditadura. A diretora não apenas conta uma história íntima, mas a vincula a um trauma coletivo, tornando a busca de Martina um ato de resistência política e emocional.

Para traduzir a instabilidade mental da protagonista, Faria opta por uma câmera inquieta, muitas vezes em mãos, que acompanha Martina com planos fechados e movimentos desconcertantes. A sensação é de vertigem – como se o chão pudesse desaparecer a qualquer momento, assim como suas memórias.

Mercedes Morán, uma das maiores atrizes da Argentina, entrega uma performance condizente com essa afirmação. Martina é uma mulher que oscila entre a lucidez e o desespero, e Morán captura isso com uma intensidade quase física – seja no tremor das mãos, no olhar perdido ou na voz quebrada por emoções contidas.

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Adriana Aizemberg, como Norma, a amiga leal, oferece um contraponto afetuoso, enquanto Luciana Paes, no papel de Jéssica, uma funcionária de hotel que se envolve na busca, traz um sopro de humanidade e esperança.

Vale destacar que o filme é protagonizado quase inteiramente por mulheres, uma escolha que não é casual, pois visa dialogar com outras obras que falam sobre maternidade e resistência política.

A Procura de Martina se recusa a oferecer um desfecho convencional – mesmo que, no fundo, saibamos o que aconteceu. Em vez disso, o filme opta por um momento de ambiguidade poética, onde a fronteira entre realidade e desejo se dissolve. Não há respostas fáceis – apenas a certeza de que algumas dores são tão profundas que desafiam a linguagem. O que fica é a sensação de que a memória, mesmo quando frágil, é um ato de rebeldia.

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