Mike Flanagan construiu sua carreira na intersecção entre o horror clássico e o melodrama familiar. Obras como The Haunting of Hill House já anunciavam sua predileção por transformar fantasmas em traumas psíquicos e aparições em metáforas de afeto mal resolvido. Mas em A Vida de Chuck, adaptação da novela de Stephen King, essa tendência chega a um novo patamar não elogioso: o filme parece acreditar que frases de efeito bastam para converter cosmologia em catarse. O resultado é um cinema que se satisfaz em uma superfície sentimental.
O filme começa com uma premissa interessante: o mundo está acabando, outdoors anunciam a existência de um homem comum chamado Charles Krantz, e a própria narrativa se organiza em capítulos regressivos, conduzindo o espectador da morte até a infância do protagonista. Flanagan, entretanto, dilui esse material numa dramaturgia dócil, como se o filme tivesse medo do silêncio, medo de se deixar contaminar pelo estranho, preferindo a todo instante a parábola edificante.
O problema não está em associar horror ao melodrama — o melodrama é, afinal, uma das formas mais potentes de inscrição do excesso no cinema. Mas Flanagan confunde excesso com ilustração: seu melodrama não é aquele que atravessa corpos, que se instala como desmedida das paixões; é um sentimentalismo de vitrine, montado a partir de diálogos redentores e olhares marejados, um aceno fácil ao espectador em busca de consolo. O horror, que poderia ser a pulsação subterrânea da narrativa, converte-se em simples decoração, uma cortina como escreveria Walt Whitman. Há, em momentos dispersos, lampejos de um filme mais interessante, como a coreografia da segunda parte, que parece emular os musicais da Old Hollywood.
Mas Flanagan recua: explicando moralmente e visualmente o que se inscreve na narrativa O cinema, assim, se torna pedagógico, preocupado em consolar. Talvez esse movimento revele um traço mais profundo da obra de Flanagan: sua recusa ao risco. Se suas fórmulas deram certo nas séries de streaming, porque não poderia fazer o mesmo no cinema? Eis então a contradição central de A Vida de Chuck: a tentativa de se impor como uma obra maior justamente ao repetir os mesmos mecanismos de comoção já experimentados e validados em outro formato. O gesto é sintomático de um cinema que não se permite experimentar a falha, mas antes recicla soluções prontas.
A falha então se mostra na falta de confiança da própria forma: Flanagan não permite que a experiência da imagem, do som, da atmosfera, carregue a densidade do afeto. Assim, o espectador não é convocado a atravessar uma experiência, mas a confirmar uma lição. É nesse sentido que o filme se aproxima de um melodrama de superfície, domesticado. O excesso não transborda, mas é canalizado em lágrimas fáceis, diálogos edificantes e uma fotografia que confunde beleza plástica com intensidade dramática.
No fim, A Vida de Chuck parece mais interessado em proteger seu público do que em provocá-lo. Talvez seja essa a maior contradição do projeto: o desejo de falar sobre o fim de tudo sem permitir que nada realmente se perca. O apocalipse é reencenado como lição de vida, a fantasmagoria como lembrança afetiva, o cosmos como tela de fundo para uma moral já conhecida. O espectador sai do filme não reflexivo, mas confortado, o que, em última instância, pode ser o maior fracasso de uma obra que nasceu da promessa de encarar o vazio.