Abá e Sua Banda é uma animação brasileira visualmente encantadora, marcada por uma brasilidade vibrante que pulsa em cada quadro. É impossível não se sentir imerso nesse universo que exala o Brasil em sua forma mais lúdica e afetiva — seja pelas músicas que grudam na cabeça, seja pela estética que remete imediatamente à infância, com suas cores vivas e formas suaves que despertam lembranças da televisão infantil dos anos 2000.
Há um resgate estético muito bem construído aqui, que dialoga com a memória afetiva de quem cresceu diante da TV Cultura, da TVE, do Castelo Rá-Tim-Bum ou dos desenhos que misturavam didatismo, musicalidade e senso de coletividade. Abá e Sua Banda consegue ser uma animação moderna, mas que abraça o passado com carinho, reinventando esse imaginário para as novas gerações. O filme me fisga especialmente nesse ponto: não apenas pela criatividade visual, mas pela forma como brinca com a imaginação e, ao mesmo tempo, com os sentimentos. Existe uma ternura genuína em sua proposta, uma doçura nostálgica que nos faz rir, cantar e, de alguma forma, lembrar de quem somos — e de onde viemos. É um filme que comunica tanto com as crianças quanto com os adultos que ainda guardam viva a criança que foram.

Mas, acima de tudo, Abá e Sua Banda é um filme de forte teor político, construído a partir da estrutura e do tom do que conhecemos como cinema educativo — aquele que muitos de nós, brasileiros, aprendemos a reconhecer desde a infância, especialmente por influência da televisão. Há aqui uma clara inspiração no chamado cinema-educação, que utiliza o audiovisual como ferramenta de despertar crítico, apostando em narrativas acessíveis, sensíveis e lúdicas, mas sem abrir mão de complexidade e posicionamento. O filme aborda diretamente temas como opressão política e a negligência de um governo que vira as costas ao seu povo. E faz isso com uma inteligência admirável: por meio de personagens que se colocam como agentes de resistência e revolução, sem que isso soe pesado ou deslocado do universo infantil. Ao contrário, tudo é construído com uma leveza encantadora, como quem convida a criança a pensar — e não a repetir discursos.
A linguagem é simples, mas nunca simplista. O didatismo é presente, mas costurado com musicalidade, humor e emoção, numa experiência que lembra muito o que vivenciávamos diante da televisão educativa dos anos 1990 e 2000. Quem nunca aprendeu algo sobre matemática, ciências ou língua portuguesa assistindo TV cultura ou, mais recentemente, com O Show da Luna? Pois é — Abá e Sua Banda resgata esse espírito com frescor e propósito. Sinto algo muito parecido vindo daqui: uma vontade de ensinar, mas também de transformar. De lembrar que o aprendizado começa no afeto, na imagem, na música — e, sobretudo, na liberdade.
O que mais chama a atenção é como o filme lida com temas densos como autoritarismo, desigualdade e mobilização popular sem soar pesado. A estrutura de musical infantil e a estética leve não diminuem o impacto de suas mensagens, pelo contrário: ampliam seu alcance. Abá consegue narrar, de forma simbólica, um golpe militar — talvez uma das formas mais acessíveis e potentes de apresentar esse tema para as novas gerações. A repressão é traduzida por metáforas visuais e personagens carismáticos, e a luta por liberdade ganha forma através de uma aventura cheia de ritmo, cor e energia. Abá é um filme que acredita na força coletiva. Sua mensagem é clara e poderosa: a mudança está em nós, quando nos unimos, nos organizamos enquanto classe e enfrentamos a opressão burguesa. É, portanto, um filme que carrega o espírito do melhor do cinema brasileiro — combativo, sensível, criativo e profundamente conectado com seu povo.