dom, 22 dezembro 2024

Crítica | Acampamento do Pecado

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O coming of age, dada a universalidade do seu apelo temático – todo mundo que não esteja assistindo a produções infantis, afinal, é ou já foi adolescente/jovem –, talvez seja um dos nichos temáticos mais explorados pelo cinema tanto em escala industrial como num circuito que almeja um grau maior de autoralidade. Para ficar apenas nos últimos 40 anos e somente no cinema estadunidense, onde se insere Acampamento do Pecado, cabe citar o sucesso de filmes com abordagens tão diversas entre si como Clube dos Cinco (John Hughes, 1985), Boyhood (Richard Linklater, 2014) e Moonlight (Barry Jenkins, 2016). Mais recentemente, buscando ocupar um espaço de tratamento de personagens femininas no subgênero, têm ganhado notoriedade produções capitaneadas e protagonizadas por mulheres, tais como Lady Bird (Greta Gerwig, 2017) e Quase 18 (Kelly Fremon, 2017). É nesse contexto e com essa carga de uma tradição já consolidada que surge o filme de Karen Maine.

Concebido como expansão de um curta-metragem homônimo da mesma roteirista e diretora, Acampamento do Pecado acompanha um período conturbado na vida de Alice (Natalia Dyer), adolescente católica que se vê às voltas com as descobertas e a exploração de sua sexualidade num ambiente escolar e institucional de repressão e culpabilização.

Se a premissa desperta sensação de familiaridade, é porque, de fato, tudo no filme de Maine é bastante familiar e feito para que assim seja. A maneira como a trama se desenvolve, com o brotar sucessivo de temas padrão, passa a sensação de que na conversão do curta em longa-metragem a cineasta se viu obrigada a lançar mão de convenções do subgênero para preencher o texto e justificar a existência da obra expandida. A título de exemplo, quando o filme precisa que a protagonista decida ir ao acampamento católico no qual se passará quase toda a ação, insere-se mecanicamente, sem nenhuma construção anterior nesse sentido – seja informativa, seja de acúmulo emocional –, uma situação de bullying de que ela estaria sendo vítima. Do mesmo modo, vez ou outra o clima de despretensão e jocosidade subjacente à obra é atravessado abruptamente por um monólogo pretensamente edificante sobre autoaceitação, tolerância e temas similares.

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O que torna Acampamento do Pecado digno de nota, porém, é a sensibilidade que marca os momentos de isolamento da personagem principal, os quais constituem a maior parte da projeção. Toda a ideia de encenação da diretora é pautada pela proximidade com a protagonista. É pela perspectiva dela que o espectador é apresentado ao universo ao seu redor. Interessa ao filme menos um julgamento amplo e distanciado daquela realidade e mais a apreciação da forma como a personagem se percebe a um só tempo parte integrante e corpo estranho a ele. Residem nos gestos e no olhar dela a dramaticidade, a comicidade e o estranhamento. Em suma, toda a sensibilidade real da obra.

A maneira como Maine decupa as cenas mais íntimas de Alice – interpretada por Dyer, vale dizer, com carisma de sobra e uma fisicalidade contida que expressa bem as inseguranças e desejos da personagem –, ressalta o potencial de autoconhecimento e exploração do mundo contido em atos simples como a decisão de entrar em um chat sobre sexo ou pesquisar sobre universidades longe de casa. Todo o filme, aliás, é atravessado por essa tensão entre os momentos em que a personagem se vê fechada em um ambiente institucional de estreitamento e culpabilização e as passagens de respiro, em que ela é capaz de contatar o mundo para além daquela redoma, entrando em contato mais profundo consigo mesma nesse processo.

Ironicamente ou não, é justamente a presença no filme dessa ideia bem definida de utilização da mise en scene para potencializar o drama da protagonista nos momentos de intimidade sem precisar largar mão do tom de despretensão e leveza que pontua sua jornada que acaba por tornar mais frustrante a inserção das passagens discursivas, quase verborrágicas. É como se a diretora/roteirista não pusesse tanta fé em sua capacidade de estabelecer contato com o público por meio de uma ideia de encenação mais minimalista e sentisse a necessidade de utilizar um texto cartilhesco para dotar sua obra de maior senso de “relevância”.  Fica, ao fim, o gosto de um filme cindido em duas abordagens distintas que, em vez de dialogar, criam um todo desconcertado.

Ainda assim, apesar de ter seu potencial desperdiçado em parte, há muito com o que se conectar em Acampamento do Pecado, e os momentos em que se investe num apelo formal mais sutil e aproximado com os anseios e angústias da protagonista conseguem se sobressair sobre as tentativas de sabotagem promovidas pelo próprio texto.

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Felipe Lima
Felipe Limahttp://estacaonerd.com
Formado em Direito. Palpiteiro em Cinema.
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