ter, 30 abril 2024

Crítica | Além do Tempo

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A estética melodramática vem ganhando reconhecimento ao longo dos anos, após ter sido injustamente rotulada como um estilo negativo. O melodrama, originalmente conhecido como “drama cantado” ou uma forma teatral, dedicada à expressão intensa ou exagerada dos sentimentos, encontrou seu lugar no cinema permeando diversos gêneros, como nos personagens complexos do Noir ou nos romances da década de 40. A estética melodramática nunca foi excludente e sempre abraçou a diversidade artística e cultural, influenciando a linguagem, a trama, o design e a trilha sonora dos filmes. Esse estilo cinematográfico oferece uma rica variedade de elementos estéticos e emocionais, gerando estímulos diretos no espectador. O melodrama tem o poder de dialogar com os aspectos mais sensoriais daqueles que o assistem, criando uma relação de empatia e efeitismo. Essa estética explora os sentimentos humanos de maneira imediata, intensificando os efeitos ao máximo.

Dessa forma, “Além do Tempo” mergulha nas ideias estéticas do melodrama, estabelecendo uma conexão direta e íntima com o espectador ao acentuar um senso de empatia em relação à dor dos personagens, além de abordar temas sensíveis, como o luto, a saudade e a depressão. O diretor adota uma abordagem interessante ao criar um ritmo emocional por meio da imagem, especialmente através da montagem. Essa montagem é habilmente utilizada para construir uma consciência emocional no espectador, pois os sentimentos não são transmitidos apenas através do diálogo, mas principalmente por meio da linguagem visual. Essa abordagem impulsiona a experiência do público, nos aproximando dos personagens de maneira profunda e íntima. A câmera, com sua proximidade, parece capturar a angústia e o sofrimento dos protagonistas, permitindo-nos imergir em suas emoções. O diretor utiliza os estímulos visuais de forma sensível e equilibrada, evitando qualquer tipo de apelação. Ele compreende perfeitamente o momento certo de inserir esses elementos para criar um impacto emocional genuíno.

Boermans, portanto, utiliza os cortes da imagem, planos e contra-planos para criar um choque de associações quase kuleshovianas — o olhar de Kai contraposto ao mar ou o choro de uma mãe em paralelo à praia transmitem muito mais do que as palavras poderiam expressar. Através dessas composições visuais, o diretor consegue transmitir emoções e significados profundos, estabelecendo conexões poderosas entre os personagens e o espectador. Como característico do melodrama, “Além do Tempo” apresenta uma veemência emotiva que amplia ainda mais a compreensão dos sentimentos dos personagens. Nessa obra, a impulsividade é valorizada em contraponto à racionalidade das emoções, resultando em cenas onde cada sentimento, choro, grito e comportamento é exaltado com grande impacto emocional. O filme mergulha profundamente nas experiências emocionais dos personagens, permitindo que o público se conecte intensamente com suas jornadas e sentimentos, tornando a experiência cinematográfica emocionante e envolvente. “Além do Tempo” alcança o espectador através de uma linguagem visual cuidadosamente construída.

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Dessa forma, o filme deixa de lado qualquer tipo de explicação lógica sobre o comportamento humano, e os sentimentos imediatos são realçados pela decupagem. JoJo e Lucas se tornam personagens psicologicamente complexos, transcendendo o mundo ao seu redor. A individualidade e a polarização deles refletem seus sentimentos mais profundos, permitindo uma conexão enfática com as emoções que eles experimentam ao longo da trama. É notável, portanto, como Theu Boermans explora o hermetismo da condição humana ao lidar com a dor e a perda. Gosto de como ele traz uma forte análise psicológica dos personagens, proporcionando uma reflexão poderosa sobre os diversos mecanismos de enfrentamento que as pessoas desenvolvem diante de situações traumáticas. O diretor não apenas expõe as feridas emocionais dos protagonistas, mas também apresenta a jornada de superação e crescimento pessoal, tornando o filme uma experiência catártica e edificante.

“Além do Tempo” retrata de forma evidente como cada personagem enfrenta o luto de maneira única. Johanna, por exemplo, mergulha em um luto prolongado, uma condição em que o processo de luto não segue um padrão esperado de adaptação — diferentemente do luto “normal”, aqui a intensidade e a duração dos sintomas são mais graves e prolongadas, interferindo significativamente na capacidade da pessoa de funcionar em sua vida diária. O mundo perde sentido para Johanna e ela externa essa dor a todo momento, demonstrando as suas emoções. Por outro lado, Lucas lida com o luto de forma diferente, ele guarda cada sentimento, transferindo sua dor de maneira física no trabalho ou transformando-a em raiva. Sua maneira de lidar com a perda é mais contida, mas não menos intensa. Gosto dessa abordagem que cria personagens psicologicamente complexos, tornando a história real e melodramática.

Boermans retrata de maneira sensível a diversidade de reações que o luto pode desencadear nas pessoas. Ele explora a dor, a tristeza e a raiva como parte natural do processo de lidar com a perda, proporcionando uma instigante reflexão sobre a multiplicidade das emoções humanas. Além disso, o longa aborda a importância da arte como uma valiosa válvula de escape e uma forma de expressão universal para a dor e as emoções humanas. Ao longo dos séculos, a arte tem sido um veículo poderoso para transmitir experiências e sentimentos. Lucas, compreende essa essência intrínseca da humanidade e utiliza o teatro como um bote salva-vidas, uma maneira de resgatá-lo do desespero e dar-lhe uma oportunidade de reviver e ressignificar suas perdas.

A decupagem de Boermans ao apresentar a peça dentro do filme é de uma magnífica beleza, ele transita a câmera entre a apresentação teatral e os olhares dos protagonistas. Cada olhar possui um valor singular — Lucas anseia pela aprovação de seu eterno amor diante de sua obra de vida, enquanto Johanna absorve a potência da arte unificada a uma memória tão dolorida. Isso torna a experiência ainda mais imersiva, pois podemos sentir a intensidade da cena através do olhar de Lucas e JoJo, que refletem suas emoções e reações à arte apresentada. A peça em si tem um significado poderoso, pois representa uma nova chance e uma esperança de reconciliação para a família que havia sido separada por tanto tempo. Boermans concebe tudo com muita cautela, os enquadramentos são precisos e a utilização da linguagem visual tornam a experiência extremamente emocional (chorei bastante) e esteticamente prazerosa. A habilidade do diretor em capturar a essência da peça e transmitir sua mensagem de forma impactante é verdadeiramente meritório, proporcionando um verdadeiro deleite para os espectadores.

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Caique Henry
Caique Henryhttp://estacaonerd.com
E aí, galera! Eu sou o Caique Henry, um amante da arte que adora dar uns pitacos sobre cinema. Loucamente apaixonado pelo cinema de gênero, posso ser considerado o crítico de cinema mais legal do país.
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