Publicidade
Publicidade
Início Críticas Crítica | Amante, stalker e mortal

    Crítica | Amante, stalker e mortal

    Publicidade

    Em um dos debates mais recentes sobre cinema na rede social Xtwitter, um jovem levantou a questão de que documentários não podem ser considerados cinema, argumentando que o cinema documental carece de narrativas. Este comentário gerou um debate acalorado, porém, ao analisarmos com mais atenção, podemos perceber que ele proporcionou uma oportunidade para a crítica de cinema desempenhar seu papel fundamental: o de refletir, criticar e dialogar. Inicialmente chocante pela afirmação contundente em relação a algo tão fundamentalmente inconsistente, o comentário do jovem nos leva a uma reflexão mais profunda sobre a natureza do cinema documental e sua relação com a narrativa. No entanto, ao considerarmos obras como Amante, Stalker e Mortal, podemos facilmente refutar essa afirmação e informar que, de fato, o documentário é uma forma legítima de expressão cinematográfica, repleta de narrativas significativas.

    Mas afinal, o que são narrativas cinematográficas? Na teoria do cinema, a narrativa cinematográfica é a estrutura fundamental que organiza os elementos próprios de um filme para contar uma história, seja ela linear ou não. Ela abrange a forma como os eventos são apresentados, a progressão temporal, a construção dos personagens, os conflitos e resoluções, além das técnicas utilizadas para transmitir esses elementos ao público. A narrativa do cinema é composta por diversos componentes que tornam o cinema, O cinema. Todo filme tem narrativa? Sim! Mas nem toda narrativa é igual, não existe cartilha de como construir um filme e como contá-lo, é aqui que parte o papel do autor. A narrativa cinematográfica é o cerne de toda obra fílmica, representando a síntese cuidadosamente planejada (nem sempre) de elementos visuais e sonoros que compõem a mise-en-scène, concebida pelo autor. A narrativa não se restringe apenas ao roteiro, mas abrange uma gama diversificada de componentes, incluindo planos de filmagem, movimentos de câmera, enquadramentos, iluminação, trilha sonora e diálogos, e sua ausência, cada um desempenhando um papel crucial na transmissão da história ao espectador. Ou seja, tudo que vemos em tela é uma ideia narrativa proposta por um autor. 

    O diretor utiliza esses elementos para guiar o público ao longo da narrativa, criando uma experiência imersiva que evoca uma ampla gama de emoções e significados, independentemente de ser uma abordagem direta, realista ou nenhum dos dois. Portanto, sugerir que documentários não são narrativas, meramente por retratarem fatos, é sucumbir à própria manipulação narrativa que os documentários são tão bons em fazer. Na realidade, narrativa é manipulação, é enganação, é você aceitar que um homem voe, que mestres empunham um sabre de luz ou que um carro vá para o espaço e principalmente que você “acredite” naquela ideia proposta pelo diretor. Não é que documentários não tragam fatos, mas esses fatos são vistos pelo olhar de alguém com pensamentos, conceitos, ideologia e intenção. Aquela verdade, portanto, é percebida com o peso de um olhar humano. Dessa forma, documentários como Amante, Stalker e Mortal, ao selecionarem e organizarem os eventos da realidade, estão, de fato, construindo uma narrativa específica, mesmo que baseada em algo real.

    Gosto de como o novo documentário da Netflix prova tudo isso de maneira bem prática. Ao contar uma história real digna de grandes autores do cinema de suspense, Amante, Stalker e Mortal brinca com as próprias possibilidades narrativas do fazer cinema. O diretor Sam Hobkinson traz um formalismo bem interessante para o seu filme. Aqui, ele faz questão de imergir o espectador nessa história tão absurda de uma maneira bem encenada. Os planos e relatos reais estão presentes como em todo documentário, mas ele faz questão de trabalhar com cenários “manipulados” para criar todo esse aparato espetacularizado que é tão característico do cinema.

    Sam desfruta das possibilidades da linguagem cinematográfica, aproveitando muito bem os clichês do cinema de gênero. Tudo manipula o espectador, desde a trilha sonora amedrontadora — que remete ao cinema thriller — até os planos, contraplanos e a montagem que lembram o cinema de horror. No entanto, o que considero a melhor caracterização formal é o voyeurismo que assume o olhar do mal. É como se estivéssemos vendo através dos olhos da stalker, daquele mal que espreita e se esconde entre muros, paredes e árvores, pronto para atacar; como um bom assassino do cinema slasher. Diante de tudo isso, os documentários nunca podem ser chamados de anti-cinema; muito pelo contrário. Amante, Stalker e Mortal é apenas mais um exemplo entre tantos outros de que o cinema documental não apenas faz parte do universo da narrativa cinematográfica, mas também contribui significativamente para a diversidade e profundidade dessa forma de expressão artística. É através da habilidosa manipulação dos elementos do cinema que os documentários são capazes de transmitir verdades subjacentes e provocar reflexões sobre a natureza, política, vida e cinema.

    Publicidade
    Publicidade
    ANÁLISE GERAL
    NOTA
    Entre viagens pelas galáxias com um mochileiro, aventuras nas vilas da Terra Média e meditações em busca da Força, encontrei minha verdadeira paixão: o cinema. Sou um amante fervoroso da sétima arte, sempre pronto para compartilhar minhas opiniões sobre filmes. Minha devoção? Cinema de gênero, onde me perco e me reencontro a cada nova obra.
    critica-amante-stalker-e-mortal Em um dos debates mais recentes sobre cinema na rede social Xtwitter, um jovem levantou a questão de que documentários não podem ser considerados cinema, argumentando que o cinema documental carece de narrativas. Este comentário gerou um debate acalorado, porém, ao analisarmos com mais...
    Sair da versão mobile