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    Crítica | Amizade

    Uma celebração sensível e verdadeiramente cinematográfica sobre valorizar o tempo que se passa junto com os amigos, envelhecer e enfrentar crises

    Imagem: Embaúba Filmes/Reprodução
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     Amizade, documentário distribuído pela Embaúba Filmes e que tem estreia marcada para o dia 13 de março, é uma colagem de 30 anos de registros realizados por Cao Guimarães que mostram momentos de descontração e afeto com vários de seus colegas artistas. Esses fragmentos audiovisuais foram registrados em diversos formatos, que vão dos analógicos, como filmes em super-8 e 35mm, fitas cassete, gravações de secretárias eletrônicas e até os mais modernos, como videochamadas, exalando poesia e reflexões a respeito do envelhecimento e da capacidade do cinema de registrar o passar dos tempos e nossos sentimentos.  

    Chegou a ser quase impossível não lembrar do documentário Retratos Fantasmas, de Kléber Mendonça Filho, ao se deparar com Amizade, de Cao Guimarães. As duas obras abordam transformações em suas particularidades – sendo a de Mendonça Filho, uma transformação mais urbana, enquanto a de Guimarães acena para a física e emocional -, assim como, ao mesmo tempo, conversam calma e delicadamente sobre memórias. Ambos os documentários também utilizam da importância do cinema como uma janela para mundo afora e para os sentimentos, flertando com uma reprodução de lembranças através de registros de imagem e som. A nova produção de Cao Guimarães nos coloca em um lugar de expectador de suas memórias, compreendendo a melancolia por trás de sua narração concisa e saudosista, que beira uma certa tristeza capaz de ativar certos gatilhos, uma vez que o filme desperta aquela intimidadora sensação de que o seu tempo está passando e, provavelmente, chegando ao fim da jornada, assim como o das pessoas queridas que fizeram parte de sua história.

    Imagem: Embaúba Filmes/Reprodução

    “Que coisa estranha e maravilhosa é o tempo que passa!”, alega o realizador em um comentário que nos permite tanto associá-la tanto à passagem do tempo quanto à sua qualidade. Afinal, existe na obra um discurso, por parte da narrativa concebida e desenvolvida por Cao Guimarães, capaz de ser interpretado de acordo com o contexto na qual a produção começou a tomar forma. Em 2016, ano da crise sociopolítica que acarretou o impeachment da então Presidente da República Dilma Rousseff, Guimarães se viu na necessidade de registrar sua mudança do Brasil para o Uruguai em uma longa viagem de carro que também lhe despertou a ideia de reunir suas memórias registradas por mídias analógicas, ao longo dos anos e dar início a uma produção que pudesse celebrar o poder da amizade a fim de se desopilar de um cenário de mudanças radicais e sufocantes pelo qual passava o país. Pouco depois, a pandemia da Covid-19 surgiu para mudar ainda mais nossas relações, o que não deixa de ser mostrado no documentário por meio de uma edição que acena para a melancolia.

    Ao longo da obra, observamos que é reforçada uma ideia de que, em meio a tantos registros, havia também uma necessidade de Cao Guimarães reencontrar e reconhecer tanto os seus amigos artistas, como também a si próprio, realizando um resgate de raízes e de elementos que os definem, além de mostrar desafios comuns que geram impactos tanto positivos quanto negativos, independente da história que fica para ser contata para a posterioridade. Nas sequências em que são mostrados os bastidores de O Homem das Multidões (2013), do próprio Cao em parceria com Marcelo Gomes, e a luta para fazer o filme ter visibilidade, observamos um retrato rotineiro na vida de quem faz arte no Brasil, além de ser sutil e contar com uma bem-vinda metalinguagem cinematográfica tão bem empregada que chegou a fazer falta em outros momentos do longa documental.

    Imagem: Embaúba Filmes/Reprodução

    Em 1 hora e 25 minutos de filme, Amizade reúne a importância da amizade em tempos de crise, a beleza de envelhecer junto, o poder da arte e do registro no resgate de memórias e na movimentação de próprias histórias, além de também mostrar o cinema como forma de remediar a solidão e provedor de acolhimento. No entanto, há momentos em que a obra se repete e até se deslumbra em meio a tantos materiais gravados, ora permitindo que a decupagem pareça sobrecarregada. Não há problemas, por outro lado, em exibir filmagens de situações rotineiras ou triviais, até pelo fato disso fazer parte da alma do projeto, mas existem sequências longas e até cansativas quando não estão acompanhadas da narração do cineasta. Haveria chances de Amizade também funcionar, talvez com mais êxito, no formato de curta-metragem documental, porém é louvável a escolha de Cao Guimarães em reunir tudo o que tinha direito em uma produção única, a fim de prestar uma bela homenagem aos seus amigos, sendo alguns deles também velhos conhecidos nossos, como os cineastas Marcelo Gomes e Lírio Ferreira, o ator Matheus Nachtergaele, entre outros.

    É bonita a forma como Cao Guimarães exibe a sua genuína gratidão e carinho por suas amizades, assim como também o tem pelas memórias e por alimentar o tempo que passa com registros de imagens e sons, o que torna Amizade um filme não somente sobre companheirsmo, mas também sobre cinema.

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