Baseado na peça de mesmo nome, Aos Nossos Filhos é a nova produção da atriz e diretora portuguesa Maria de Medeiros que chega aos cinemas brasileiros nesta semana. O filme acompanha os complicados relacionamentos de Tânia(Laura Castro) com sua mãe, Vera(Marieta Severo), e sua esposa, Clarisse(Denise Crispim) que está passando por um longo e até então infrutífero processo de inseminação artificial que vem gerando tensões no seu relacionamento.
O filme divide seus esforços entre acompanhar a rotina do casal(Tânia e Clarisse) e a de Vera, eventualmente chocando as duas linhas narrativas a partir das interações entre mãe e filha. A dinâmica de Tânia e Clarisse é muito pautada por um embate de vontades onde Tânia projeta em Clarisse todo o comportamento controlador que diz ter sofrido nas mãos de sua Mãe, Vera. Já o de Vera está mais relacionado a uma questão de lidar com os traumas reprimidos por anos que ainda afetam sua forma de lidar com a vida.
A maior virtude do filme está em um comprometimento com a noção de que cada personagem vive dentro de uma narrativa que constrói para si e que essa narrativa inevitavelmente não vai englobar vivências alheias que por vezes vão entrar em choque ao longo da história. Tanto Vera quanto Tânia tem suas verdades, suas histórias e sentimentos mas o filme nunca coloca nenhuma delas como símbolo moral inquestionável e está sempre tentando criar embates entre vivências que são diferentes mas igualmente válidas, ainda assim sem cair numa noção de que seguir pautas progressistas ou levantar certas bandeiras torna alguém automaticamente bom ou mau. A produção está mais interessada na ideia de que a mediação entre essas vivências é a única forma de seguir adiante.
A direção de Medeiros é muito competente, não existem planos muito elaborados mas as composições(principalmente externas) estão sempre buscando uma forma interessante de lidar com a escala, a ambientação e os sentimentos dos personagens de forma a ser visualmente impactante. Sempre que um personagem comenta algo com outro existe um foco na reação(geralmente silenciosa) do personagem que está recebendo a informação e apenas esses segundos de reação já dizem tudo que precisa ser dito. É um trabalho que possui a preocupação de trazer nuances para as relações apresentadas e dar espaço para a expressividade dos atores.
Já entrando no campo das atuações, Marieta Severo domina este filme. Laura Castro entrega uma boa atuação, até por estar presente no elenco e ser a autora da já reconhecida versão teatral que inspirou esta adaptação mas é a Vera de Severo que se solidifica como ponto alto entre as atuações. Sua personagem é atormentada por memórias da ditadura, vive em constante perigo graças à violência decorrente do embate entre tráfico e polícia na favela onde gerencia sua ong e ainda tem que lidar com os problemas de relacionamento com sua filha, seu estado psicológico está visivelmente abalado e tudo isso vem à tona com um senso de dramaticidade poderoso graças à um ótima interpretação da atriz.
Já sobre pontos negativos, a produção por vezes aposta em cenas que exigem um complemento gráfico ou sonoro mais elaborado mas que acabam destoando e parecendo baratos em comparação com o cuidado técnico que existe no resto do longa. É o caso muitas vezes de sequências que lidam de forma mais alegórica com o que as protagonistas estão passando e que seriam importantes para estabelecer de maneira potente alguns dos assuntos que a obra busca lidar mas que deslizam em um trabalho gráfico um tanto tosco. O longa ainda deixa algumas pontas soltas envolvendo personagens secundários que em algum momento parece que receberão um desenvolvimento mais elaborado mas acabam servindo mais como um ponto de reflexão para as protagonistas.
Ainda assim, Aos Nossos Filhos é uma grata surpresa no ano, consegue se apegar a um tema e desenvolvê-lo com qualidade, entrega boas atuações e uma direção sensível em um pacote só. Um filme que definitivamente merece ser visto no cinema para incentivar a produção de outros similares.