Em 1917, Rebeca foge da fome e da guerra na Polônia e chega ao Brasil para reencontrar o marido e iniciar uma nova vida. No Rio de Janeiro, ela descobre que seu marido faleceu e acaba refém de uma grande rede de prostituição e tráfico de mulheres, chefiada pelo impiedoso Tzvi. Rebeca transgride suas próprias crenças e encontra aliadas que vivem o mesmo drama. Juntas, elas decidem lutar por liberdade. Essa é a sinopse oficial de As Polacas, drama baseado em fatos reais com direção de João Jardim (Pro Dia Nascer Feliz).
A direção de João Jardim aposta suas fichas no seu elenco, como principal diferencial, para contar a sua história. O diretor usa constantemente closes fechados nas expressões dos atores afim de aproximar o espectador da trama e transforma as cenas em um palco de teatro, onde os atores tem espaço e tempo para brilhar. O elenco é ótimo e consegue transmitir verdade em cada cena. Os principais destaques são: Caco Ciocler (Passagrana) que dá vida ao inescrupulosos Tzvi e a dupla: Dora Freind (Medusa) e Valentina Herszage (Ainda Estou Aqui). As atrizes já trabalharam juntas em outros projetos e importam um pouco dessa experiência para a tela, construindo uma relação crescente em tela que começa como uma rivalidade e se torna algo mais empático com o tempo. A química entre elas e absurda, sendo a dupla, as donas do filme e de algumas das melhores cenas do filme. Freind e Herszage interpretam com maestria mulheres fragilizadas, cada uma pelo seu motivo, mas resilientes e capazes de lutar pela própria sobrevivência em meio ao caos.
O roteiro escrito por George Moura (O Rebu), Teresa Frota (Amores Roubados) e Flávio Araújo (Os Outros) é inspirada nos livros “El Infierno Prometido”, de Elsa Drucaroff, e “La Polaca”, de Myrtha Schalom é apresenta alguns relatos sobre o tráfico de mulheres de origem polonesa, um episódio doloroso e pouco discutido da nossa história. Porém, questões como o surgimento da Sociedade da Verdade (onde as trabalhadoras do sexo judias conseguiram construir um cemitério para elas e uma sinagoga) acabam sendo usado apenas como pano de fundo, o que atrapalha (em especial quem gostaria de ver/saber mais sobre esse fato histórico) o desenvolvimento da história.
Com isso, o foco do roteiro é na jornada solitária da personagem de Herszage, que enfrenta a sensação de desamparo como primeiro obstáculos para sua nova realidade. Questões como a barreira linguística e cultural são ignoradas, algo que pode causar estranheza. Assim, a dor da perda e a incerteza do futuro se tornam os motores da personagem, que busca se reerguer, mas logo se vê envolvida em uma rede de exploração e violência. Assim a trama de As Polacas é marcada pela crítica social ao sistema da época (e, infelizmente, atual) que trata as mulheres como mercadoria, objetificando as mesmas e comercializando a dor delas.
A reconstrução da época e feita de modo tímido e para driblar problemas orçamentários usa de muitas imagens do período, o que funciona, mas deixa claro que a produção possui um baixo orçamento. A fotografia, por sua vez, é introspectiva, e usa muito da luz natural.
Ao resgatar uma história de dor, mas também de resistência, As Polacas proporciona um olhar sensível sobre uma parte esquecida da imigração no Brasil e traça um paralelo com as questões contemporâneas envolvendo a violência contra as mulheres e a exploração sexual.