dom, 17 novembro 2024

Crítica | Atirador

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Após os eventos do 11 de setembro de 2001, a sociedade norte-americana foi profundamente afetada, marcada por um sentimento de dor, melancolia e medo que permeou toda uma geração. Este medo pode ser entendido de duas maneiras distintas: o temor de um novo ataque ou mesmo de uma possível invasão ao país. Tratava-se do medo do desconhecido, uma tensão que se estabeleceu em todos os âmbitos da sociedade, algo que não era sentido desde os tempos da Guerra Fria.

Enquanto o outro medo residia na desconfiança em relação à própria nação e às suas instituições, alimentada por teorias conspiratórias. De fato, não faltaram especulações sobre o envolvimento do próprio governo norte-americano nos ataques, sugerindo que estes teriam sido arquitetados como pretexto para justificar uma invasão militar no país responsável. Esse clima de desconfiança contribuiu para a divisão da nação, criando uma fissura social. Assim, a sociedade norte-americana encontrava-se em um estado de profunda ansiedade e incerteza, onde o medo permeava todos os aspectos da vida cotidiana.

Portanto, se o cinema é de fato um reflexo do seu tempo, como discutido no meu texto anterior (A memória infinita), é notável como o cinema estadunidense pós-2001 aborda profundamente esses medos. Um exemplo claro é Cloverfield – O Monstro, que simbolicamente se assemelha a uma espécie de Godzilla americano, representando o medo da invasão, do desconhecido e da impotência de uma nação diante desses eventos. Por outro lado, há filmes que exploram a desconfiança nacional e o enfraquecimento do patriotismo, como é o caso de Atirador

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No filme, acompanhamos a trajetória de Bob Lee Swagger (interpretado por Mark Wahlberg), um ex-atirador de elite dos Marines que se afastou do serviço após ser traído. Vivendo isolado em um refúgio remoto nas montanhas, Bob é abordado pelo coronel aposentado Isaac Johnson (interpretado por Danny Glover), que lhe pede ajuda em uma situação crítica: a vida do presidente está em perigo, e apenas as habilidades de tiro de longa distância de Bob podem evitar essa ameaça iminente. Apesar de inicialmente relutante, Bob acaba por aceitar o trabalho. Contudo, ele logo descobre que toda a situação é na verdade uma armadilha engendrada por Johnson.

O filme de Antoine Fuqua não apenas aborda, mas também explora essa fragilidade nacional. Estamos diante de um soldado que, mesmo traído, ainda se dispõe a ajudar o seu presidente, mas evidencia-se que até mesmo essa disposição tem seus limites. Atirador se baseia nessa revolta, apresentando um discurso ideológico que representa a raiva reprimida de uma nação. Bob descobre que os Estados Unidos não são os defensores da liberdade como se proclamam; pelo contrário, ele os enxerga como um país assassino e genocida que busca o poder a qualquer custo. Essa revelação, esse novo engano, desencadeia uma jornada de vingança para ele. Embora o drama inicial possa tender um pouco para um patriotismo ou nacionalismo excessivo de “minha nação acima de tudo”, a partir do ponto de virada, a ação e o melodrama adquirem novas nuances e se aprofundam.

Fuqua expressa em sua imagem o clima de desconfiança e mistério, criando duas abordagens distintas dentro de seu filme. Por um lado, acompanhamos as investigações conduzidas pelo agente do FBI Nick Memphis (interpretado por Michael Peña), onde a montagem parece criar um ritmo meio linear, com movimentos mais calculados e olhares amedrontados, como se os personagens estivessem constantemente sob observação. Por outro lado, testemunhamos a violência personificada por Bob Lee. Aqui, a montagem adquire um tom mais bruto e brusco, com movimentos frenéticos e olhares repletos de dor e ódio. O interessante é que quando esses dois “mundos” se encontram dentro do filme, o próprio formalismo se mescla. A violência se entrelaça com o mistério, o voyeurismo persecutório se une ao frenetismo da montagem, o medo/impotência e o ódio assumem a imagem.

Recentemente, em uma postagem na rede social X/Twitter, deparei-me com um comentário que afirmava que todo bom filme de ação é, em essência, um bom melodrama. De certa forma, esse comentário faz muito sentido. O melodrama é um gênero dramático que se caracteriza por uma ênfase nas emoções nímias dos personagens. Algumas características chave do melodrama incluem: emoções intensas, Conflito Moral, excesso e espetáculo entre outros. Agora, quando você considera essas características e as aplica aos filmes de ação, é fácil ver como os dois gêneros se sobrepõem.

Em John Wick, por exemplo, testemunhamos um personagem que decide se vingar de toda uma facção simplesmente porque roubaram seu carro e mataram seu cachorro. Isso é puro melodrama, a elevação dos sentimentos do personagem ao extremo, ou, neste caso, ao absurdo. Dessa forma, o melodrama também se faz presente em Atirador, principalmente na jornada emocional do protagonista Bob Lee Swagger e nos conflitos morais que ele enfrenta ao longo da narrativa. Vale ressaltar que isso não se limita apenas ao texto ou roteiro; o melodrama, sobretudo, se manifesta na imagem. Aqui, Fuqua valoriza grandemente a ambientação, utilizando a câmera de forma significativa. 

Em uma das cenas iniciais do filme, por exemplo, vemos Bob e seu cachorro nas montanhas, e a movimentação da câmera enfatiza os sentimentos do personagem imerso naquele ambiente de vazio e solidão. Além disso, durante as cenas de ação, a utilização da câmera lenta serve para espetacularizar a violência e a vingança do protagonista. Apesar de Atirador ser um filme extremamente norte-americano, com uma idealização patriótica onde Bob assume a figura heroica de integridade e honra, enquanto Johnson personifica a corrupção e a traição, criando uma dicotomia que lembra histórias em quadrinhos, ainda assim é possível apreciar o bom melodrama e a ação envolvente que o filme oferece.

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Entre viagens pelas galáxias com um mochileiro, aventuras nas vilas da Terra Média e meditações em busca da Força, encontrei minha verdadeira paixão: o cinema. Sou um amante fervoroso da sétima arte, sempre pronto para compartilhar minhas opiniões sobre filmes. Minha devoção? Cinema de gênero, onde me perco e me reencontro a cada nova obra.
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