
A ideia de “blefe” é bem estabelecida em qualquer circuito em que se aplique, seja no jogo ou nas negociações empresariais. O que ela tenta deixar claro é que aquele que blefa não está entregando a verdade, pois sua mão ou sua proposta não é tão boa ou firme como parece ser. Em outros termos, estamos falando de uma tática de embelezamento de algo que não necessariamente tem força. Então, quando um filme como Balada de um Jogador chega ao circuito de streaming, o tipo de comparação parece ser mais assertiva.
No longa, Colin Farrell interpreta Lord Doyle, um jogador que frequenta os luxuosos cassinos de Macau, fugindo do passado e das dívidas. É claro que tais questões surgem como uma forma de estudo de personagem, tentando entender quem ele é e o levando a uma jornada que passa, também, pelo espiritual.
Nesse conflito do personagem, entre o jogo e a libertação, Edward Berger, mesmo diretor de Conclave, constrói esteticamente um filme que indica visualmente, com uma certa constância, que seu protagonista é um pequeno homem (o título original é Ballad of a Small Player) diante de um mundo estimulante, guloso, que o influencia diretamente. Se a ideia, por si só, parece interessante, é porque Berger é um ótimo jogador-cineasta. Assim como em Conclave, o filme consegue chamar atenção pela sua beleza estética, pela forma que os quadros são montados, pela sofisticação dos espaços. Mas se no filme ganhador do Oscar de roteiro adaptado ainda existia uma certa noção da construção de seus personagens, aqui o filme não tem força suficiente além de Farrell completamente entregue a seu personagem.
Se o desejo passa pelo estímulo do personagem, Berger parece muito mais formalista do que se deseja. Em traços comparativos, Coralie Fargeat em A Substância sabe lidar com o formalismo como ferramenta de construção de um desconforto (vide as cenas que envolvem comida), já Berger, em cena semelhante, só parece querer afirmar um traço do personagem, soando menos como desconforto e mais como um objetivo estético. Ou seja, tudo tem um fim em si mesmo, um movimento cíclico de auto-satisfação intelectual.

O mesmo pode-se dizer de quando o protagonista lida com o lado espiritual de Macau, envolvendo os chamados “fantasmas famintos”. Existe um flerte com o cinema de Apichatpong Weerasethakul, mas se o cineasta tailandês entende seus filmes como projetos de realismo fantasmagórico, com um deles, inclusive, lidando com o neon como presença do espiritual (cito aqui Cemitério do Esplendor). No filme de Berger a noção de espiritualidade está muito ligada a uma luz mais estourada, com o branco criando quase como uma aura em torno dos personagens, algo já bastante comum no cinema. Ao se utilizar desse expediente da alta exposição luminosa de forma muito explícita, o diretor evita que a revelação final se torne algo, de fato, surpreendente.
Essa falha, por sua vez, não chega a ser apenas da forma com a qual ele lida com a imagem, mas do próprio roteiro, que tem dificuldade em posicionar seus personagens como influências do protagonista. As personagens de Tilda Swinton e Fala Chen, por exemplo, orbitam mais como ferramentas que como pontos de modificação, tanto que, ao final, tudo parece fragilmente amarrado.
Quando, enfim, chegamos ao desfecho, quando as cartas estão todas à mesa, Berger mostra que seu blefe talvez seja seu maior trunfo como cineasta. Ao entender bem como funciona o olhar contemporâneo, ele joga com o espectador, levando-o a acreditar que tem em mãos uma forte narrativa. No entanto, esta, além de estar esgotada, não passa de superficial. Esse tempo todo tem sido um blefe.


