dom, 22 dezembro 2024

Crítica | Boy Erased: Uma Verdade Anulada

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“Ama teu próximo”. O termo referente aos ensinamentos serve como base para construção e desenvolvimento da ética cristã, tem se desvirtuado de sua verdadeira finalidade para ser realocado dentro de uma moral impositiva do homem. Por mais que muitos movimentos dentro dos dogmas religiosos tenham abandonado essa postura conservadora, a manifestação da aceitação do outro e a pré-concepção das estruturas sociais e familiares ainda sofrem muitos embates.

Nos Estados Unidos, país moralmente aceito e idealizado, 36 estados permitem que seja praticada a “terapia de conversão”, processo endosado por frentes religiosas e políticas que tem o objetivo de tratar pessoas homossexuais para que voltem ao seu estado “normal”. A chamada “cura gay” é uma prática retrógrada, violenta, insensível e desumana que pode gerar traumas e consequências severas aos que se submetem.

Considerar que uma pessoa gay necessita de cura é tratar a homossexualidade como doença. Há mais de 30 anos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou homossexualidade da lista de doenças e se desculpou por tremenda decisão preconceituosa e discriminativa. No Brasil, desde 1999, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) determinou que nenhum psicólogo pode exercer atividades deste tipo, sendo estritamente proibido.

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Buscando denunciar essa prática, Boy Erased: Uma Verdade Anulada conta a história de Jared Eamons (Lucas Hedges),  jovem, filho do pastor de uma igreja batista, que após se assumir para sua família é encaminhado para um desses centros de “reabilitação”. O tema extremamente delicado e sensível acaba por transitar entre o apelo dramático muito mal colocado e uma captura mais direta de momentos poderosos. A direção de Joel Edgerton, que também participa do filme, parece estar mais centrada em gerar um drama a partir de um bom senso social que acompanha o espectador, mas em nenhum momento se dá ao trabalho de construir a dramaticidade da situação sem que mire em uma abordagem forçada.

Edgerton entende a situação como uma saída do ambiente social para um de reclusão e coerção. A chegada de Jared ao centro se assemelha a entrada de um preso numa penitenciária. Sua liberdade é tomada por aquele espaço que o força a se adequar às regras estabelecidas de comportamento, visando uma postura masculinizada. A dinâmica de “novo preso” também se encaixa pela relação com os personagens Jon (Xavier Dolan) e Gary (Troye Sivan), onde ambos têm a função de apresentar para Jared as formas de conseguir sobreviver aos absurdos tomados pelo processo.

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A opção de tratar os personagens adjacentes como mecanismos narrativos coloca as relações pertinentes ao desenvolvimento de maneira distante e descompromissada, como se Edgerton não estivesse interessado em observar essas outras pessoas que estão passando pela mesma situação. Esse distanciamento é mais perceptível quando os flashbacks do passado de Jared são introduzidos dentro da história. Dois momentos cruciais são apresentados de maneira bastante ilustrativa e sem configurações para uma dilatação, sendo um deles trabalhado de maneira completamente irresponsável e problemática.

Já a relação de Jared com sua mãe Nancy Eamons (Nicole Kidman) e seu pai Marshall Eamons (Russell Crowe) carrega toda a dramaticidade do longa que é usada de maneira superficial na maioria do tempo. O possível embate entre aceitação e fé é sustentado por uma relação bem objetiva dos envolvidos. Marshall, como figura paterna e de representação religiosa, encarna o papel do intolerante que é guiado por conceitos passados. Suas ações são tomadas por um imaginário de um líder religioso, mas que não aborda diretamente suas crenças como detentoras de uma moral questionável. Assim como toda a superficialidade do filme de usar a cruz apenas como um meio de estímulo visual, mas que nunca discute de fato o que ela significa naquele contexto. A bandeira americana no fundo em algumas cenas talvez seja o que mais chega perto de algum tipo de comentário.

Quando Edgerton abandona a estilização programada e confia na força da atuação, deixando uma naturalidade mais destacada, consegue, por meio de uma abordagem mais crua, um impacto muito mais eficaz. O momento de catarse do filme em que Jared enfrenta tanto sua mãe, quanto seu pai, surge de maneira muito mais sincera, e que, por mais que o filme não tenha desenvolvido o tema no ambiente familiar, tem um desfecho satisfatório dentro de uma lógica de perdão e aceitação.

Para um filme que busca retratar e denunciar tal absurdo, Edgerton, por muitas vezes, acaba dramatizando e explorando uma situação delicada com alguma idealização de envolvimento com o espectador. Sua abordagem muitas vezes distante de todo o universo que permeia esse conflito se mostra como um produto que quer debater o tema, mas só até certo ponto. Partindo dessa premissa, fica claro que ele está muito mais preocupado em atingir o emocional, sustentado por ótimas atuações, mas que escondem uma completa falta de sensibilidade.

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Em determinado momento, Gary diz para Jared que o lema dele é “finja até que acreditem”. É evidente que a frase serve como um lembrete para vestir uma personalidade que não o representa, tentando se adequar a tais imposições. Mas acho que cabe também como lembrete para o filme com si mesmo.

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Jornalista que se aventura no mundo da crítica de cinema. Gosto de café e filme em preto e branco.
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