Ao começar a assistir Calor Mortífero, imediatamente me veio a sensação de estar prestes a presenciar um Neo-noir, subgênero que resgata elementos de um dos estilos mais enigmáticos das décadas de 1940 e 1950. Mas o que é o cinema Noir? O termo “Noir” vem da expressão francesa que significa literalmente “filme negro”. Trata-se de um subgênero cinematográfico que floresceu nos Estados Unidos entre as décadas mencionadas, surgindo em um período de grandes transformações sociais e políticas. O Noir refletia a desilusão e a incerteza da era pós-guerra, explorando temas como corrupção, violência, alienação e a busca pela identidade — um espelho da atmosfera de seu tempo, como costumo destacar em meus textos.
Como todo estilo, gênero ou subgênero, o Noir possui características marcantes que permeiam seus filmes: a fotografia, com sua estética opressiva e densa; a trilha sonora, geralmente marcada pelo jazz, com melodias melancólicas e tensas; narrativas sombrias onde a cidade se torna um personagem perigoso, traiçoeiro e suspeito; a presença da femme fatale, uma mulher sedutora que encarna a tentação e o perigo, arrastando os homens para a perdição; e, claro, as questões morais de um (anti)herói frequentemente alcoolista, lutando contra seus demônios internos.
Diante desse contexto, é inegável que Killer Heat se enquadra no estilo (Neo)Noir, com a particularidade de ser ambientado nos dias atuais, tanto em sua narrativa quanto em alguns aspectos formais. Contudo, Calor Mortífero não chega a ser uma obra marcante e disruptiva, ainda que apresente elementos interessantes. O filme, portanto, acaba limitado por uma narrativa que se recusa a se aprofundar nos seus próprios componentes, resultando em uma obra que, apesar de promissora, se mostra tímida ao utilizar os elementos clássicos do cinema Noir sem realmente explorá-los. A produção entrega todos os componentes que se espera de um Noir — ou ao menos os elementos roteirísticos característicos do gênero — mas falha em transformar essa riqueza de influências em uma experiência visual e sensorial poderosa. O filme parece seguir uma fórmula segura, de referências vazias sem ousar na criação de atmosferas densas ou na exploração mais impactante da imagem em movimento, características que, no fim, são a verdadeira alma do cinema.
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Na verdade, essa tendência de referências vazias tem se tornado cada vez mais comum no cinema contemporâneo, que parece obcecado em reviver obras clássicas ou estilos de épocas passadas. O problema é que isso é feito de maneira tão calculada e artificial que esses elementos acabam perdendo sua força, incapazes de ganhar vida própria. É o que vemos, por exemplo, na trilogia X de Ti West, onde o desejo de homenagear o Giallo e o Slasher se sobrepõe à criação de uma experiência genuinamente real. Calor Mortífero não é diferente nesse aspecto. O filme claramente tenta prestar tributo aos grandes nomes do cinema Noir, mas o faz de forma superficial e mecânica, sem o apreço pelo cinema e a ousadia que caracteriza os clássicos do gênero.
Faltam-lhe a universalidade atmosférica e a tensão latente que transformam os dramas urbanos do Noir em algo mais do que simples histórias de crime. Ao invés de capturar a essência emocional e visual que esses filmes evocavam, Calor Mortífero se limita a reproduzir os elementos mais óbvios — a femme fatale, o detetive atormentado, a cidade sombria — sem realmente explorar suas ideias. A homenagem se transforma em uma imitação rasa, ou até mesmo em uma limitação, onde a estética é evocada, mas a alma do gênero permanece ausente. Esse fenômeno, infelizmente, se repete em diversas produções que, ao tentarem recriar um estilo, acabam por reduzir seus traços mais icônicos a uma fórmula vazia, sem compreender o que de fato os tornava marcantes.
A sensação predominante ao final de Calor Mortífero é a de um filme que quase chega lá. Sei que isso pode soar reducionista, especialmente quando falamos sobre a complexidade da arte cinematográfica, mas é difícil encontrar palavras melhores para descrever essa experiência. O filme flerta com ideias instigantes e, em alguns momentos, chega a nos despertar a curiosidade de algo mais “profundo”. O protagonista, por exemplo, é um personagem bem pensado, com camadas que despertam nossa atenção, e cuja jornada emocional poderia ter sido explorada de forma mais viva. Há também cenas isoladas que excitam, como planos que olham para Creta e para o deteve como figuras iguais, cheias de segredos e mascaradas por uma superfície bela (a cidade) e moral ( o homem) e pela atenção à fotografia. O resultado é uma previsibilidade (algo que particularmente pouco me interessa) que chega a incomodar, tornando até os momentos mais bem executados incapazes de sustentar-se.