sáb, 12 outubro 2024

Crítica | Casa Gucci

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A cena que melhor consegue sintetizar Casa Gucci está na primeira conversa entre Aldo (Al Pacino) e Rodolfo (Jeremy Irons) Gucci. De um lado, Aldo representa a parte mercadológica do famoso nome, com suas ideias de expansão para o mercado asiático e esforços para dominar o possível consumidor. Do outro, Rodolfo representa a conservação do nome como peça de arte aristocrática que deveria ser eternizada em museus. Em dado momento, Aldo comenta sobre Rodolfo estar vivendo no seu próprio mundo e o questiona: “você ao menos se toca?”

A piada de duplo sentido com insinuações sexuais não é mera coincidência entre as tentativas de satirizar a complexa família italiana e distanciar-se da glamourização acarretada pelo contexto trabalhado. Porém, assim como a frase sai da boca de um milionário para o ouvido de outro, Ridley Scott traça seu filme de um pedestal seguro e pouco se aprofunda no verdadeiro significado deste mundo de riquezas, se atendo a discussões vazias sobre legado envelopado por uma dramatização preguiçosa com pequenos momentos de chacota.

Introduzindo o espectador pelos olhos de Patrizia Reggiani (Lady Gaga) em uma protocolar apresentação para, enfim, dar nome e cara a suas pitorescas personagens, Casa Gucci se perde logo de início ao demonstrar completo desencontro entre Gaga e o resto do elenco. Enquanto cada um tem seu papel muito bem definido e suas estranhezas ajudam a sustentar a fraca direção de Scott, Gaga destoa com sua interpretação nitidamente montada para concorrer a temporada de premiações e joga Patrizia num espaço isolado onde parece se levar a sério demais.

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Não só por suas constantes entrevistas relatando o processo para viver a personagem e o quanto isso a marcou, mas também pelo próprio aporte do filme a esse comportamento quando esquece de sua ideia primária para ser carregado pela atriz em direção a uma automatização dos acontecimentos. Parece assumir, mesmo que inconscientemente, essa submissão a personagem, dando todo o suporte necessário para Gaga provar seu merecimento aos membros votantes e garantir seu nome no assento das indicadas. Fica atado a sua percepção, seu controle e sua imposição do que e quando mostrar. Torna-se refém.   

Separar os conflitos familiares em núcleos é outro problema causado pela apatia de Scott com a trama. O que deveria ser primordialmente um conflito com intrigas relacionadas a disputas de poder se contenta com blocos divididos por personagens antagônicos entre si e interpostos apenas quando necessário. Tentado mascarar essa falta de criatividade, diversas músicas dos anos 80 se misturam a óperas e músicas clássicas italianas com marcações temporais conduzidas pelo vestuário “pseudocamp” na tentativa de criar uma superficial realidade estética. Tal investida se realiza numa exposição de vitrine de shopping com seus manequins irrelevantes.

 A parte que se salva fica por conta de Al Pacino e Jared Leto, respectivamente pai e filho, onde ambos se completam perfeitamente entre a caricatura e a chacota. Pacino traz a comicidade por seus exageros conhecidos e Leto – completamente irreconhecível pela maquiagem – traz seu personagem Paolo como um homem de meia-idade incapaz de se sustentar sem seu pai e genuinamente estúpido – esta é de longe a interpretação que melhor casa com a proposta, mas, infelizmente, é pouco aproveitada. Adam Driver como Maurizio Gucci também entrega algo adequado no que centra seu personagem “bobão”, ainda que mude completamente seu jeito para tornar-se o empresário assassinado (perde até o sotaque italiano), provou-se uma boa escolha para o papel.

Casa Gucci poderia apenas entrar na lista de filmes questionáveis na carreira de Ridley Scott. No entanto, é necessário comentar sobre sua absoluta mediocridade de querer traçar comentários sobre o poder circundado pela família (e o nome) sem sequer se dar ao trabalho de desenvolver questões sobre influências sociais da marca ou a valorização demandada pelo status. É compreensível não querer adentrar-se no mundo da moda e suas estratégias de consumo, mas também não se pode dar o privilégio de basear-se no conhecimento prévio do espectador e deixar isso como algo já entendido. Pelo contrário, essa falta de intenção de debater, mesmo que por meio do ridículo, apenas ressalta sua completa indiferença e a real preguiça ao abordar, da maneira mais confortável possível, toda a problemática do luxo proposto pelo capitalismo, assim como a continuidade de famílias herdeiras de grandes fortunas. 

Ladygaga/Divulgação

Vendo por outro ângulo, o desinteresse de Casa Gucci com seu conteúdo, atrelado ao desespero de parecer um material conciso na busca pela validação de prêmios da indústria para a indústria, faz alusão direta aos milionários discutindo o que fazer com sua riqueza. É quase endêmico esses filmes surgirem no momento de mais reconhecimento do cinema, mas também é muito evidente que muitos já nem precisam ao menos disfarçar sua total falta de vontade. Talvez teremos que passar por esse processo para retomar a sensação de não estar indo ver algo tão desalmado nesses tempos, mas até lá, vão nos empurrar coisas desse tipo.

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Jornalista que se aventura no mundo da crítica de cinema. Gosto de café e filme em preto e branco.
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