Cloud – Nuvem de Vingança é uma mistura de ideias já apresentadas ao longo da filmografia de Kiyoshi Kurosawa. Ele concebe esse impacto da internet na vida de todos e liga diretamente a uma crise alarmante do capitalismo. A ideia é o dinheiro ser a principal chave aqui, e assim caracterizar cada personagem e suas motivações.
O filme trabalha muito bem essa ideia de transição e dependência das pessoas no online, uma vez que a maioria de nossas ações acabam sendo consequências desse mundo virtual. O nosso protagonista, Ryosuke, acaba largando seu emprego numa fábrica, algo mais concebido como um emprego normal e passa a viver de revendas na internet. O problema é que essas revendas estão mais ligadas a golpes do que algo puramente honesto, já que ele compra certos produtos falsos e vende como se fossem originais ou até em dado momento no filme, ele compra toda uma coleção de bonecas para esgotar o lote e assim revender mais caro.
Assim, o filme vai nos apresentar a certos personagens que se configuram como os vilões da história de Ryosuke, pessoas que foram prejudicadas por suas vendas. O ex-chefe, dono da fábrica, é praticamente uma encarnação do capitalismo em um ser humano, uma vez que ele é representado com a antiga geração não aceitando essa ideia de novas formas de lucros, tanto que a indignação dele com a notícia de demissão beira o esquisito/exagerado. Já em outros casos, temos seu amigo, Muraoka, que acaba o apresentado para essa nova forma de negócio e depois vira um símbolo de ódio e inveja devido ao sucesso de seu amigo. Temos também sua namorada, que é representada na forma de interesse, constantemente sonhando em utilizar seus cartões de crédito e encantada com esse potencial lucrativo de seu novo emprego. E por último, os desconhecidos, aqueles afetados no mundo virtual e consequentemente no real devido às revendas de Ryosuke, e assim, querendo descontar todo seu ódio em uma única figura, o agente maligno e principal responsável pela ruína de suas vidas, ou como chamado online, o “Ratel”.
Algo que o filme trabalha muito bem é toda essa normalização da sociedade no século 21 em certas atitudes. Esse egoísmo, vício em lucro, distância de afetos, acaba sendo encarnado em tela aqui. O ódio sendo o agente principal de certas atitudes, a banalidade da violência que em dado momento vira o ponto central do longa, ao caracterizar esses duelos na parte final e o uso constante de armas, mortes e uma violência transformada em algo comum. O personagem que encarna isso é seu parceiro e assistente, Sano, uma figura mais nova e que passa completamente uma mentalidade crua com aquele mundo, usa violência de forma natural e quando necessária, e sabe muito bem como funciona o sistema, apesar de vibe inocente e juvenil que inicialmente o personagem entrega. Ele estimula e ensina Ryosuke sobre como devem continuar fazendo dinheiro e alimentar o sistema.
O plano final é bem fantasioso, os dois fechados no carro e um um cenário ao fundo quase macabro, as nuvens em diferentes cores, quase um fim de mundo. E o protagonista aceitando a ideia de sua nova vida, novos objetivos e um afastamento daquilo que não tem mais futuro nos dias atuais, o afeto/amor. Essa ideia entra na cabeça após a traição de sua namorada devido ao interesse fútil ao seu dinheiro é assim causando sua morte, é um momento trágico e poderoso de conclusão da jornada. Representando o afastamento final de Ryosuke daquilo que ainda o ligava com o antigo mundo.
Cloud – Nuvem de Vingança trabalha muito bem essa escala de banalização do absurdo. Do que as pessoas estão dispostas em fazer devido seus interesses, até mesmo abandonar suas emoções. É muito interessante esse crescimento do filme em meio algo tão simples, vendas onlines, mas liga muito bem com esse descontrole do capitalismo e como ele está ligado com tudo hoje em dia. O diretor resgata esse terror social novamente em sua filmografia.
