qua, 12 março 2025

Crítica | Código Preto

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Um dos exercícios mais fascinantes de Steven Soderbergh como cineasta é sua habilidade em transitar entre diferentes gêneros cinematográficos, ao mesmo tempo em que explora os tecnicismos da linguagem fílmica. O que se destaca em sua trajetória é o desejo constante de contar histórias utilizando-se da linguagem clássica do cinema, mas também de suas nuances e possibilidades mais contemporâneas. Código Preto (Black Bag, no original) é mais uma incursão do diretor no universo do gênero, desta vez no terreno da espionagem. Embora os primeiros minutos do filme sugiram o desenvolvimento de uma trama política centrada em temas como traição e jogos de poder, a verdadeira essência do longa se concentra em um aspecto mais íntimo: o relacionamento entre o casal de agentes secretos, Kathryn (Cate Blanchett) e George (Michael Fassbender). A vida conjugal do casal, que à primeira vista parece ser pautada pela rotina e pelo amor, gradualmente se transforma em um jogo de espionagem onde a confiança mútua é colocada à prova a cada cena. Este jogo de aparências, onde as fronteiras entre vida pessoal e profissional se esfumam, toma uma direção diferente quando alguém parece ter vazado informações confidenciais e perigosas da inteligência, fazendo com que Kathryn seja a principal suspeita.

O que podemos tomar como base ou exemplo é a forma como todas as relações dentro do filme estão diretamente focadas na dinâmica central entre os protagonistas. Os casais de amigos, reunidos em um jantar, cumprem um propósito claro: descobrir quem é o responsável pelo vazamento de informações. Nesse contexto, todas as interações de George e Kathryn giram em torno dessa investigação e, por consequência, da manipulação das peças dentro desse jogo social em que ambos estão inseridos. Cada movimento de um deles, seja uma traição, uma mentira ou qualquer atitude estratégica, afeta diretamente o outro, criando um círculo de ação e reação que impulsiona a trama. Isso possibilita que a articulação narrativa do filme se mantenha sempre atenta às possíveis respostas e consequências entre eles, uma vez que ambos são personagens extremamente bem elaborados, com motivações e intenções bem definidas, além de articulados.

Ao mesmo tempo, essa boa articulação faz com que o roteiro dependa de uma exposição causal das situações. Explico: tudo o que acontece é meticulosamente planejado, de modo que nenhuma ponta narrativa fique solta. Ou seja, quando determinado personagem toma uma atitude, ela já é antecipada pelos protagonistas, o que diminui a margem para surpresas, relegando-a quase que exclusivamente aos momentos finais, quando todos os mistérios são desvendados de forma didática, como se George fosse uma espécie de Poirot moderno.

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Soderbergh, por sua vez, utiliza a linguagem clássica como uma ferramenta para sublinhar o imaginário estético desse grupo de agentes. Basta notar como todos se vestem e se comportam. Isso não só contribui para a construção da ideia do gênero, mas também reforça a identidade da narrativa dentro de uma tradição cinematográfica que persiste ao longo de várias décadas. Além disso, o uso de close-ups, planos holandeses e planos abertos — focando, inclusive, na movimentação precisa e quase coreografada dos personagens — é algo que acrescenta uma dimensão interessante a obra. A atenção a esses elementos visuais serve não só ao propósito narrativo do filme, mas também imprime nele uma elegância e uma sofisticação que se tornam um reflexo do coração do projeto. Cada escolha estética, cada movimento de câmera, carrega consigo a intenção de reforçar sua abordagem.

É importante destacar que Código Preto é um filme que busca ser reconhecido como um ‘filme de espião’ justamente por demonstrar habilidade no manejo do gênero e por entender sua posição no contexto em que é feito. Não se trata de uma obra ingênua, nem de uma tentativa de reinventar a roda; pelo contrário, ela trabalha com elementos já consolidados, criando um produto a partir do classicismo. O filme é sucinto — tanto na narrativa quanto na temporalidade — do começo ao fim, apresentando boas ideias e estímulos interessantes. No entanto, não se pode negar: é mais um produto, mais um exercício de Soderbergh dentro de um gênero, como se o diretor estivesse em constante busca para explorar os limites e possibilidades do que ele consegue fazer através da linguagem cinematográfica.

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Destaque

Um dos exercícios mais fascinantes de Steven Soderbergh como cineasta é sua habilidade em transitar entre diferentes gêneros cinematográficos, ao mesmo tempo em que explora os tecnicismos da linguagem fílmica. O que se destaca em sua trajetória é o desejo constante de contar histórias...Crítica | Código Preto