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Eternos, o mais novo filme da Marvel dirigido por Chloé Zhao, mostra que a Casa das Ideias está disposta a arriscar novos estilos de narrativas. Depois de arriscar nas séries, agora veio o momento de fazê-lo na tela grande.
Antes da trama de fato começar, somos introduzidos à mitologia do filme. Arishem (ser celestial responsável pela criação da vida no universo) deu origem, entre outras criaturas, aos Deviantes, grandes predadores que impediam a evolução da vida. Arishem, então, selecionou os seis maiores heróis de Olympia para proteger o desenvolvimento da vida – e deu a esse grupo o nome de Eternos.
A cena inicial já mostra a grande diferença entre Eternos e seus predecessores. A atmosfera é mais sisuda, todo o cenário é grandioso e esplendoroso – créditos para a fotografia espetacular de Ben Davis (Guardiões da Galáxia, Doutor Estranho, Capitã Marvel). Logo nesse primeiro embate, vemos os Deviantes atacando um grupo de humanos primitivos, em que são demonstradas as habilidades de cada integrante do grupo da forma mais direta possível.
O mérito do roteiro escrito à quatro mãos (a própria Chloé Zhao, Ryan Firpo, Kaz Firpo e Patrick Burleigh) é tornar os poderes dos personagens uma extensão de sua personalidade. Ajak (Salma Hayek), por exemplo, além de ser líder da equipe, é a “mãe” de todos os personagens; em praticamente todas as cenas em que aparece, funciona como consolo ou ponto de apoio do grupo nos seus momentos mais difíceis – e isso se reflete no seu poder de cura. A introdução dos personagens é natural e fluida, dando a sensação de que já conhecíamos cada um desses personagens mesmo sem nunca os termos visto.
O filme estabelece que o desenvolvimento da humanidade é graças aos Eternos. A Babilônia se tornou uma grande civilização porque, no processo de eliminação dos Deviantes, o grupo criou um lugar onde pudessem proteger a humanidade. Por mais que eles não pudessem interferir nos assuntos humanos, seu amor pela humanidade tornou a interferência inevitável. Em vários momentos do filme isso é exemplificado, como no caso do mito grego de Ícaro (fábula criada por Duende sobre Ikaris), a cidade de Atenas surgiu em homenagem a Thena, que é a inspiração para a criação do mito da Deusa Atena. Em outras palavras, o roteiro é uma versão bem mais divertida da teoria da conspiração de que alienígenas foram responsáveis pelos grandes feitos da humanidade na Antiguidade.
Outra façanha do roteiro é conciliar duas linhas narrativas ao mesmo tempo. A principal é passada nos dias atuais, em que os protagonistas se reúnem para salvar a humanidade do seu fim; e os bem executados flashbacks mostram toda a trajetória deles enquanto matavam os Deviantes na Terra ao longo da história, o que culminou na separação do grupo. O roteiro de Eternos conseguiu fazer o que Arrow sempre sonhou. Aliás, a DC pela primeira vez foi citada forma tão direta no MCU (num dado momento, Ikaris é comparado ao Superman por outro personagem).
Outra analogia que pode ser feita com a DC é como o plot twist do filme pode ser comparado com Watchmen (2009), de Zack Snyder. Ikaris se torna o principal antagonista ao decidir seguir o plano de Arishem em usar a vida na Terra como sacrifício para o nascimento de mais um Celestial, o que é comparável ao plano de Ozymandias em tornar o Dr.Manhattan uma ameaça tão grande que EUA e URSS se uniram por um bem maior, deixando a guerra fria de lado.
Nas duas situações o certo e errado não ficam muito claros – o espectador consegue entender os dois lados: o nascimento de um celestial às custas de bilhões de vidas ou a morte de um celestial que não irá criar mais bilhões de vidas, mas, dessa forma, salvar as bilhões já existentes? A incerteza nas convicções dos personagens não é comum em filmes do MCU, que sempre sabemos os certo e errado de forma bem clara e definida.
Com boas atuações – destaque para Salma Hayek, que brilhou como Ajak, Richard Madden como o poderoso Ikaris e Brian Tyree Henry como o sensível e inteligente Phastos, que protagonizou o primeiro beijo LGBTQIA+ no MCU de maneira tão bonita – Eternos se mostra o filme mais ousado da Marvel até o momento por trazer uma trama complexa e madura sem perder a qualidade.
Essa crítica foi escrita por Larissa Costa. Siga ela nas suas redes sociais: Twitter / Instagram