Invariavelmente, franquias de ação que se sustentam ao longo do tempo com continuações, prequels, reboots e afins caem no imaginário do público por terem traços marcantes, seja dramaticamente, seja no trato com a linguagem do gênero. Em Missão Impossível, a extravagância das set pieces e a maleabilidade das tramas; em John Wick, a fisicalidade, o senso de sobre-humanidade do herói e a construção de uma mitologia urbana em torno da violência; em Velozes e Furiosos, o fator de familiaridade entre os personagens em paralelo à escala cada vez mais grandiloquente e artificial da ação em si. Citando-se apenas alguns exemplos de sucesso comercial recente em Hollywood, é fácil notar que, goste-se ou não, todos têm marcas facilmente discerníveis entre si, e é a partir delas que fidelizam os espectadores do seu nicho.
Passamos, então, a falar de Conspiração Implacável, filme que – vai se descobrindo a certa altura da projeção – foi produzido tendo em mente a realização de sequências. Na trama, Nicolas Shaw (Barry Pepper) é um ex-integrante de uma agência de operações especiais que lida com o fardo de, após sessões de tortura cuja memória reprime, ter entregue nomes de seus colegas, fazendo com que cinco deles fossem assassinados. A narrativa parte do ponto em que se tem um Nicolas exilado numa pequena cidade, um ano após os assassinatos referidos, lidando com a culpa e tentando manter-se escondido tanto dos ex-colegas sobreviventes como dos seus algozes. Quando Elias Kane (Colm Feore), espécie de mentor da equipe, o procura pedindo ajuda para encontrar sua filha, capturada ao tentar descobrir a verdade sobre quem matou os membros da agência, Nicolas tem a possibilidade de lidar com seus demônios e tentar se redimir com a memória dos colegas assassinados.
Partindo-se do pressuposto de que criticar um filme é propor uma ideia sobre o que ele é ou tenta ser, seria até justo encerrar o texto por aqui, uma vez descritos os termos gerais do enredo. É que, lamentavelmente, Conspiração Implacável não tenta ser nada além desses mesmos termos gerais, contentando-se em pôr em tela uma ilustração anêmica de trama de espionagem e ação, despida de qualquer traço de singularidade. Para fazer jus ao espaço concedido e a esse status de crítica de cinema, porém, falaremos um pouco sobre as maneiras como Brad Turner parece se recusar a realizar algo digno de nota. Não que o potencial do material disponível fosse muito, é verdade, mas a forma como o diretor vai desviando de qualquer caminho capaz, mesmo que precariamente, de dotar o filme de vida própria chega a ser engraçada.
Como dito, a narrativa se inicia com Nicolas exilado numa pequena cidade. Nesse primeiro momento, até se dedica algum esforço a estabelecer um clima de familiaridade entre personagem e entorno. Embora a situação em si seja bastante típica, há uma parcimônia no tratamento da rotina do protagonista que busca intuir um peso dramático próprio a sua relação com aqueles espaços. Um ritualismo do cotidiano que é até estranho à espécie de produção. Nada disso, porém, passa de um ensaio que vai ser totalmente descartado a partir do momento em que a narrativa ruma para fora daquele ambiente. Era de se esperar que o filme se deslocasse à trama propriamente dita, mas não deixa de ser frustrante notar como aquele primeiro bloco ao qual se reservou razoável atenção fica esvaziado, totalmente deslocado do que está por vir, apenas para ser lembrado no clímax como artifício para uma resolução preguiçosa da trama.
Essa sensação de deslocamento, aliás, é algo que atravessa todo o filme. É como se a falta de uma visão própria a ser apresentada pelo diretor a partir do material que tem em mãos o condenasse a operar em frações que, além de pobres quando consideradas isoladamente, não conversam entre si. Assim, ora se inclina a uma tentativa de cuidado com os personagens e suas relações, ora eles são deixados de lado para que se volte à resolução prática – e sempre lamentavelmente previsível – dos conflitos; ora se busca atribuir ao espaço urbano ares de decadência moral – a cena do que parece ser um cafetão é particularmente risível –, ora esquece-se essa tentativa. Do mesmo modo, apesar dos esforços de Barry Pepper, procura-se em vão um desenho próprio de protagonista. Sua superioridade técnica no ofício de agente especial é explanada por diálogos, mas nunca sentida de modo próprio quando a ação é encenada. Falta personalidade, mínima que seja, às cenas de embate. Igualmente, seu estado de confusão psíquica é exposto da maneira mais embaraçosamente genérica possível – sim, flashbacks soltos em preto e branco – e apenas quando convém a facilitar o próximo passo do enredo, nunca se fazendo sentir como condição que acompanha o personagem em sua trajetória.
Tudo aqui é tópico, ocasional e, excetuado o prólogo, apressado, tanto em forma como em conteúdo. O diretor parece esconder na promessa de sequências para a franquia sua inabilidade de conceber uma unidade para o filme em si mesmo, que acaba se apresentando como uma sucessão de problemas que surgem e são resolvidos, imagens que brotam e são esquecidas, relações que supostamente existem, mas não têm substrato. Talvez o exemplo mais ilustrativo desse descompasso nos esforços de dramaturgia seja a forma como o clímax, que reserva uma das poucas cenas compostas de maneira visualmente engenhosa, soa absolutamente banal, por se pautar no suposto peso de uma relação entre pai e filha que não é minimamente explorada antes daquele momento.
Nada fora do esperado, mas não deixa de ser frustrante perceber como Brad Turner, diante de uma produção de baixo orçamento e sem maiores pretensões mercadológicas, se contenta em fazer o básico, dirigir o material no piloto automático, em vez de usufruir da liberdade criativa oportunizada. O resultado é um filme de ação protocolar e esquecível a partir do momento em que os créditos rolam. Um insosso exemplar de anti-cinema cujo maior mérito é não durar mais do que oitenta minutos.