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    Crítica | Crimes do Futuro

    NEON/ Divulgação
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    David Cronenberg é um diretor aclamado por clássicos como A Mosca (1986), Crash (1996), entre outros. Sua carreira foi marcada pela utilização do horror corporal em diversos de seus filmes além de uma capacidade de criar estranheza a partir da ambientação. Em 2022 o diretor já não tem mais nada para provar mas segue na ativa com o recém lançado Crimes do Futuro, obra de ficção científica que se utiliza de um cenário onde dor e infecções estão sumindo espontaneamente graças a uma aparente evolução da espécie humana o que causa uma total reorganização da forma de lidar com o próprio corpo que pode levar a situações que em contexto normal pareceriam extremas.   

    Acompanhamos Saul Tensor (Viggo Mortensen), uma pessoa que sofre com uma síndrome evolutiva (termo utilizado dentro do longa) que causa o desenvolvimento espontâneo de novos órgãos em seu corpo de maneira aleatória. Cada órgão que surge é algo biologicamente novo, ou seja, inédito para um ser humano, mas a forma que Saul lida com sua condição é por meio de cirurgias performáticas de remoção dos mesmos órgãos. Estas performances são feitas em parceria com Caprice (Léa Seydoux), uma ex-cirurgiã que viu na condição de Tensor uma possibilidade de adentrar num campo da arte jamais explorado.   

    O filme parece mais interessado numa expressão formal e sensorial que pode ser externalizada a partir desse pano de fundo do que necessariamente em se aprofundar em discussões sobre a reestruturação social que essas questões postas em jogo poderiam desencadear. O futuro do filme é decadente e burocrático, as ambientações evocam mais um passado que apodrece do que a chegada de algo novo, o novo aqui está internalizado no potencial humano de mudar e isso pode ser demarcado em tela desde o primeiro quadro do filme. A tecnologia é representada como algo que transita entre orgânico e mecânico, elemento já abordado pelo diretor em outras situações mas que aqui chega com uma nova dinâmica graças a esse contexto em particular.   

    Existe um foco na relação de dor e desejo e como o anestesiamento da população leva a ações cada vez mais extremas em busca do prazer. A mutilação de corpos, cirurgias aparentemente sem sentido, procedimentos estéticos cada vez mais intensos e dramáticos são o novo comum. As performances de Tensor encapsulam bem a temática na medida em que o diretor traz para discussão a relação do performar socialmente e a busca por validação na arte. Assim como no mundo real a quantidade opressiva de imagens com as quais lidamos diariamente cada vez mais transforma nossa relação com o que consumimos e nos apresentamos online, por exemplo. A exposição a tantas formas de ser diferentes e uma constante busca por uma nova forma de impactar que parece cada vez mais difícil de se fazer genuinamente nesse mundo de acesso imediato a imagens onde muitas vezes uma obra busca fazer algo interessante mas acaba sendo apenas “choque pelo choque”, que não é o caso nesse filme.   

    O filme falha, porém, ao tentar agregar outras linhas narrativas que se apoiam mais em diálogos expositivos para trazer uma nova dimensão do impacto da evolução humana num contexto de organização política e social mais ampla. Os núcleos que envolvem revolucionários e o conselho de “novos costumes” (organização governamental que lida com casos envolvendo evolução humana) acabam parecendo uma elaboração barata sobre ambientalismo e controle que desviam a atenção das reais qualidades do longa.   

    Crimes do Futuro não chega a ser um dos melhores trabalhos de Cronenberg mas exemplifica dentro de si algumas de suas melhores qualidades (e alguns de seus defeitos). O diretor não entrega aqui uma obra de grande impacto, mas um filme que possui toda a carnalidade e charme que apenas ele poderia entregar, apesar de inconsistências.

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