ter, 5 novembro 2024

Crítica | Daisy Jones & The Six

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Uma tragédia anunciada é sempre algo intrigante de acompanhar, a sensação de sabermos que aquilo vai acabar mal mas não ter ideia de como vai é um sentimento angustiante mas emocionante de se ter enquanto se acompanha uma história. Esse é o sentimento que Daisy Jones & The Six, série da Amazon Prime Video, tenta evocar ao longo de sua temporada. Contando com 10 episódios de tropeços e acertos, a série adota uma estética híbrida de drama musical com documentário fictício. 

A produção é baseada diretamente no livro de mesmo nome. O material original foi uma clássico instantâneo amado por várias mentes da Geração Z e uma adaptação seria apenas uma questão de tempo para existir. A trama conta a história da união e partição de Daisy Jones & The Six, uma banda fictícia que se tornou icônica nos anos 70 e é reconhecida até atualidade por seu sucesso e o mistério em volta do fim do grupo. 

A estética de anos 70, em soma com as músicas cantadas pelo elenco, criam uma ambientação que é, pra dizer o mínimo, agradável de se assistir. De fato, o elemento mais charmoso na produção são as músicas criadas para a trama no álbum Aurora, cada música tocada pela banda respira e transpira Rock da década de 70, mas com um toque de sensibilidade que não soa fictício e sim como um álbum de uma banda da vida real.

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Desde músicas que são mais apagadas da trama como No Words que traz a ansiedade e a culpa dos personagens, até a grande estrela da série Look At Us Now que traz a dor e aceitação de um término de relacionamento (inclusive casou perfeitamente com uma cena no último episódio em que representou o fim da banda como um relacionamento que não podia mais durar). Aurora acaba sendo um álbum obrigatório de se escutar em 2023, tanto para os fãs da série quanto para fãs de música no geral. 

Infelizmente os elogios à série vão parar por enquanto. Como dito no início, a série busca uma narrativa híbrida entre um documentário fictício e um drama musical, intercalando a história da banda dos anos 70 com os personagens 20 anos após o grupo seguir caminhos diferentes. O problema é a falta de comprometimento da produção com a narrativa escolhida, durante os primeiros episódios, os momentos que lembramos que deveríamos estar vendo um suposto documentário são em cenas bastante pontuais. No mais, a série acaba sendo vazia, causando uma sensação de que ela está oca e que deveria ter algo ali para solidificar os episódios.

 

Apesar de não existir obrigação alguma uma produção demonstrar fidelidade literal ao material original, é argumentável de que a falta de momentos do livro na série são os responsáveis por essa sensação de que a série está oca. Ao longo do livro, temos a narração de diversos personagens durante o tempo deles no presente, e essa narração traz uma introspecção das escolhas e acontecimentos do passado, criando uma conexão maior com a história.

Um exemplo disso logo no início é o problema do alcoolismo de Billy Dunne, no material original fica claro seus traumas e inseguranças em relação a relações paternais, deixando o personagem tão perturbado que o levou a tomar decisões que machucaram aqueles à sua volta. Na série nada disso é presente, vemos Billy se embebedando, traindo sua esposa e se tornando um viciado em drogas porque ele quis (?). Apesar de ser interessante a ideia de presenciarmos esses acontecimentos do ponto de vista de sua esposa, mostrando a dor que ela passou, isso acaba removendo muito da profundidade de um de seus protagonistas.  

A mesma situação é constante em outros personagens, a série segue hesitando em mostrar uma visão mais profunda nos traumas dos membros do grupo musical. Mesmo com várias linhas de diálogo dizendo para o espectador que eles são quebrados e traumatizados, nunca vemos isso em tela, é apenas algo que nos contam e nunca mostram. 

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Essa prática impede bastante a conexão com a história por mais esforço que o elenco faça para entregar a maior profundidade possível em suas atuações. Acaba sendo irônico como a sensibilidade presente nas letras das canções são o oposto na série onde tudo fica no lugar comum, trocando batidas emocionais marcantes do material original por momentos convencionais e pouco introspectivos.

 Além de tudo, pontos chaves da trama são resolvidos off-screen. Personagens coadjuvantes que acompanhamos e nos simpatizamos com suas dificuldades tem seus conflitos resolvidos longe de onde o espectador possa ver. A maior frustração deste tópico é na personagem Simone Jackson, interpretada por Nabiyah Be, onde é criado um entendimento que a série iria focar um episódio inteiro na sua personagem e na sua evolução como artista durante a popularização do disco, apenas para ser jogada de lado no meio do episódio para dar espaço para a protagonista e tendo a resolução de sua história apenas falada. 

Nem mesmo os protagonistas estão salvos deste problema, um dos maiores pontos da trama é o relacionamento de Billy com Camila, em como Billy errou e quer acertar tudo com sua esposa. Após muitos altos e baixos, durante os últimos momentos da série vemos eles discutindo e logo após Billy nos conta que eles se acertaram com o tempo, o conflito acaba perdendo todo o peso, a construção do relacionamento deles em 10 episódios foi resolvida com uma linha de diálogo onde que o personagem diz que se acertaram sem nenhuma explicação mais a fundo. 

Parte da temática de Daisy Jones & The Six é sobre escolhas, ao longo da série vemos os relacionamentos sendo desenvolvidos em torno das escolhas que eles tomam. Apesar de algumas escolhas serem mais coerentes que outras, fica claro com o discurso final de Daisy como o amor não é só algo de sorte ou acaso e sim sobre você escolher viver esse amor. 

Tal ideia sobre escolha é bastante refletida na personagem de Camila Dunne, vivida por Camila Morrone. Uma das mudanças que é bastante bem vinda na adaptação é na representação da personagem, diferente da figura calma e angelical do original, Morrone é mais humana, ela sente dor pelas coisas que Billy fez, tem receios e inseguranças. Mas mesmo assim ela escolhe ter um vida com ele, e a única coisa que espera é que ele a escolha também. 

Camila acaba sendo uma representação da escolha apesar da dor, ela sabe o potencial que seu casamento tem e escolhe lutar por ele. Esse tipo de escolha não tira nenhuma força da personagem, e sim cria uma profundidade maior e a dá mais agência na sua vida.

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No fim, Daisy Jones & The Six é uma experiência agradável, mas frustrante por seu potencial desperdiçado em batidas rasas. O grande trunfo da produção é o álbum Aurora que consegue entregar mais alma e sensibilidade que 10 episódios da série. Assim se tornando uma produção que tenta ser independente (uma ideia bastante válida) e trazendo uma perspectiva diferente do original, mas acaba falhando em ser tão profundo quanto, devendo talvez ter ficado num território mais fiel.

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