ter, 30 abril 2024

Crítica | Toda Luz que Não Podemos Ver

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Ao longo da história, relatos de guerra têm sido explorados nas diversas formas de expressão artística, como pintura, literatura e cinema. Abordar o tema da guerra sempre representou uma maneira de evidenciar o terror inerente a essa experiência. O cinema, em particular, tem se utilizado das narrativas de guerra, especialmente aquelas relacionadas à Segunda Guerra Mundial, para contar histórias que envolvem heroísmo, sacrifícios, traumas, covardia e medo. Observa-se que muitas dessas obras apresentam uma abordagem narrativa épica, caracterizada pela espetacularização dos eventos, acompanhando “heróis” que lutam por um bem maior. Com o decorrer do tempo, entretanto, o cinema passou a compreender as verdadeiras facetas da guerra e suas consequências. Surgiram narrativas mais “profundas”, nas quais a psicologia dos personagens ganhou maior destaque. O épico, que inicialmente buscava apenas a ação, passou a utilizar essa última como uma técnica para provocar pavor e traumas. De uma visão mais simplificada e heroica, passou-se a explorar camadas mais intensas da experiência humana em tempos de conflito. 

Diante disso, temos a minissérie “Toda Luz que Não Podemos Ver”, inspirada no best-seller de Anthony Doerr. A trama segue a jornada de Marie-Laure, uma jovem cega forçada a fugir de sua casa em Paris devido à invasão alemã durante a Segunda Guerra Mundial. Marie-Laure e seu pai, Daniel, buscam refúgio na casa de um tio, carregando consigo um diamante inestimável que atrai a atenção de um oficial nazista determinado a capturá-los. Envolvidos na resistência, pai e filha realizam transmissões de rádio clandestinas como forma de desafiar a ocupação. Nesse contexto, Marie-Laure cruza caminhos com Werner, um adolescente alemão que foi obrigado a se alistar no exército de Hitler. No entanto, surge uma complexa linha de relações quando esses dois jovens, inicialmente em lados opostos da guerra, estabelecem um vínculo que se desenvolve a mais tempo do que imaginamos.

A partir dessa premissa, identificamos uma obra que busca explorar o lado humano em meio a tanta desumanidade, uma história de conexão em um período em que as relações humanas não eram amigáveis. Em outras palavras, uma obra que, por natureza, trata de rebeldia e resistência. Não se trata apenas de uma cidade que resiste à ocupação nazista, mas de jovens que resistem às suas paixões, que resistem à sua essência mesmo sendo confrontados constantemente pelo medo, nunca perdendo sua identidade. Dessa forma, a minissérie da Netflix procura criar uma relação muito forte com o espectador, buscando estabelecer um elo sólido com aquele que assiste. No entanto, é aqui que o problema reside. Se a série reúne os protagonistas em um cenário apocalíptico, essa conexão raramente atinge a frequência do espectador. Ironicamente, a ligação entre esses personagens está no poder da linguagem do rádio, nas ondas que alcançam seu público. Afinal, a conexão deles é mediado por um professor que os inspirava, mesmo estando em contextos tão distintos. Portanto, o impacto transformador de “Toda luz que não podemos ver” está nas palavras, naquilo que não podemos ver, mas ouvir e sentir. No entanto, essa comunicação parece não nos alcançar enquanto espectador. Seu ritmo é interrompido pela montagem viciada em mastigar a narrativa, constantemente empurrando flashbacks para “explicar” motivações.

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Por conseguinte, não temos tempo para mergulhar no fardo desses personagens, pois somos bombardeados por situações expositivas que nos afastam. Parece que tudo precisa ser explicitado, ignorando a própria capacidade do espectador de sentir, ouvir e experienciar. O diretor Shawn Levy não parece interessado em criar emoção, tampouco confia na nossa capacidade para tal. Ele utiliza idas e vindas temporais, no entanto, não proporciona o tempo necessário para que Marie e Werner simplesmente existam. Ele precisa sempre que possível mostrar como Marie e Werner chegaram até aqui. O problema é que, nessa explanação, ele sacrifica a nossa conexão e o próprio desenvolvimento dos personagens. Como dito, a montagem quebra o ritmo que consequentemente rompe com a imersão a cada salto temporal. Dessa forma, a resiliência, os sacrifícios, o amor e tudo que era real para aquelas pessoas, tornam-se apenas um emaranhado de desconexões para nós.

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Caique Henry
Caique Henryhttp://estacaonerd.com
E aí, galera! Eu sou o Caique Henry, um amante da arte que adora dar uns pitacos sobre cinema. Loucamente apaixonado pelo cinema de gênero, posso ser considerado o crítico de cinema mais legal do país.
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