Ao longo da história, relatos de guerra têm sido explorados nas diversas formas de expressão artística, como pintura, literatura e cinema. Abordar o tema da guerra sempre representou uma maneira de evidenciar o terror inerente a essa experiência. O cinema, em particular, tem se utilizado das narrativas de guerra, especialmente aquelas relacionadas à Segunda Guerra Mundial, para contar histórias que envolvem heroísmo, sacrifícios, traumas, covardia e medo. Observa-se que muitas dessas obras apresentam uma abordagem narrativa épica, caracterizada pela espetacularização dos eventos, acompanhando “heróis” que lutam por um bem maior. Com o decorrer do tempo, entretanto, o cinema passou a compreender as verdadeiras facetas da guerra e suas consequências. Surgiram narrativas mais “profundas”, nas quais a psicologia dos personagens ganhou maior destaque. O épico, que inicialmente buscava apenas a ação, passou a utilizar essa última como uma técnica para provocar pavor e traumas. De uma visão mais simplificada e heroica, passou-se a explorar camadas mais intensas da experiência humana em tempos de conflito.
Diante disso, temos a minissérie “Toda Luz que Não Podemos Ver”, inspirada no best-seller de Anthony Doerr. A trama segue a jornada de Marie-Laure, uma jovem cega forçada a fugir de sua casa em Paris devido à invasão alemã durante a Segunda Guerra Mundial. Marie-Laure e seu pai, Daniel, buscam refúgio na casa de um tio, carregando consigo um diamante inestimável que atrai a atenção de um oficial nazista determinado a capturá-los. Envolvidos na resistência, pai e filha realizam transmissões de rádio clandestinas como forma de desafiar a ocupação. Nesse contexto, Marie-Laure cruza caminhos com Werner, um adolescente alemão que foi obrigado a se alistar no exército de Hitler. No entanto, surge uma complexa linha de relações quando esses dois jovens, inicialmente em lados opostos da guerra, estabelecem um vínculo que se desenvolve a mais tempo do que imaginamos.
A partir dessa premissa, identificamos uma obra que busca explorar o lado humano em meio a tanta desumanidade, uma história de conexão em um período em que as relações humanas não eram amigáveis. Em outras palavras, uma obra que, por natureza, trata de rebeldia e resistência. Não se trata apenas de uma cidade que resiste à ocupação nazista, mas de jovens que resistem às suas paixões, que resistem à sua essência mesmo sendo confrontados constantemente pelo medo, nunca perdendo sua identidade. Dessa forma, a minissérie da Netflix procura criar uma relação muito forte com o espectador, buscando estabelecer um elo sólido com aquele que assiste. No entanto, é aqui que o problema reside. Se a série reúne os protagonistas em um cenário apocalíptico, essa conexão raramente atinge a frequência do espectador. Ironicamente, a ligação entre esses personagens está no poder da linguagem do rádio, nas ondas que alcançam seu público. Afinal, a conexão deles é mediado por um professor que os inspirava, mesmo estando em contextos tão distintos. Portanto, o impacto transformador de “Toda luz que não podemos ver” está nas palavras, naquilo que não podemos ver, mas ouvir e sentir. No entanto, essa comunicação parece não nos alcançar enquanto espectador. Seu ritmo é interrompido pela montagem viciada em mastigar a narrativa, constantemente empurrando flashbacks para “explicar” motivações.
Por conseguinte, não temos tempo para mergulhar no fardo desses personagens, pois somos bombardeados por situações expositivas que nos afastam. Parece que tudo precisa ser explicitado, ignorando a própria capacidade do espectador de sentir, ouvir e experienciar. O diretor Shawn Levy não parece interessado em criar emoção, tampouco confia na nossa capacidade para tal. Ele utiliza idas e vindas temporais, no entanto, não proporciona o tempo necessário para que Marie e Werner simplesmente existam. Ele precisa sempre que possível mostrar como Marie e Werner chegaram até aqui. O problema é que, nessa explanação, ele sacrifica a nossa conexão e o próprio desenvolvimento dos personagens. Como dito, a montagem quebra o ritmo que consequentemente rompe com a imersão a cada salto temporal. Dessa forma, a resiliência, os sacrifícios, o amor e tudo que era real para aquelas pessoas, tornam-se apenas um emaranhado de desconexões para nós.