A Pornochancada é tida como um dos gêneros mais vulgares e depravados do cinema brasileiro. Sua abordagem erótica, envolta em histórias movidas pelo adultério e desejo, divertiam e chocavam o público dos anos 70 que enfrentavam o período da ditadura militar. A temática explícita era constantemente alvo dos setores mais moralistas e conservadores da sociedade que impuseram diversas censuras aos filmes do gênero. O fato é que as pornochanchadas se favoreciam do momento político social para traçar críticas à elite brasileira e seu falso discurso de bons costumes, escondendo assim seus desejos e fetiches tão transparentes quanto os longas que surgiram na Boca do Lixo. Com a retomada de um certo conservadorismo que tomou os núcleos sociais, um filme como Dois Mais Dois teria o cenário perfeito para trazer esses comentários à tona como meio de se reforçar dentro desse contexto, mas acaba entregando o mesmo conservadorismo que propõe desconstruir.
Partimos do desenvolvimento de dois casais. Diogo (Marcelo Serrado) e Emília (Carol Castro) que apresenta padrões referentes a um casal tradicional com filhos, casamento, uma vida estabelecida e monótona. O outro, formado por Bettina (Robert Rodrigues) e Ricardo (Marcelo Laham), apresenta um relacionamento mais aberto, desprendido dos dogmas sociais e que praticam o swing, apelidado de “intercâmbio de casais”. Em uma determinada festa, Bettina comenta com Emília sobre a prática e como tem o desejo de inseri-los nela. O que se tem após isso é uma sequência de eventos que guiam o casal em uma espécie de “desconstrução” de tradicionalismos e a inserção de descobertas sexuais na rotina. A relação levantada acima com as pornochanchadas não só se encaixa com o contexto brasileiro atual, mas com a proposta do longa em si. Um casal da elite que tenta esconder seus desejos em prol de uma aparência social, reprimindo quaisquer instintos manifestados e escondendo isso de seu cônjuge, expõe uma espécie de farsa na persona adotada como exemplo. Em determinado momento, o casal decide ir para uma festa no Alphaville (bairro nobre de São Paulo) onde está havendo uma grande festa de swing. Apesar de continuar com piadas de duplo sentido que mais irritam do que constroem uma boa comédia, esse momento específico explora como apenas algumas camadas da sociedade detém o poder de organizar tais festas e mantê-las dentro de uma segurança particular, sem exibir esses desejos de forma assumida.
Tirando esse breve momento, o resto do longa se propõe a expressar os temas que permeiam essa prática de forma verborrágica e pouco sugestiva. Em boa parte do tempo, ressalta sobre como trata de questões envolvendo matrimónio, liberdade sexual e descobrimentos, mas se prende a situações constrangedoras premeditadas dentro do arco cômico e tiradinhas que cansam em seus 20 minutos de exibição. Se antes fosse o problema, Dois Mais Dois poderia passar por uma comédia comercial que tenta fazer seu sucesso com o público se sustentando por seus atores conhecidos. O problema é quando o começa a apelar para piadas de extremo mau gosto e ofensivas dentro de um assunto muito sério. Um dos personagens coadjuvantes aparece em uma cena para comentar que vai viajar com uma mulher trans do “membro enorme”- a intenção da cena denota a sensação de consumir um produto exótico, pouco conhecido e de forma discreta. Mais adiante, vemos o mesmo personagem citar a trans como forma de castigo para alguém, como se o membro fosse uma espécie de penitência. Em um país que mais mata pessoas trans no mundo como o Brasil, ver esse tipo de fetichização como muleta cómica para piadas que representam um pensamento preconceituoso não denota nada menos que uma falta de empatia e conservadorismo do diretor e roteirista Marcelo Saback.
Outro fator que demonstra o conservadorismo do filme que tenta esconder é com o desenvolvimento de Emília. Os eventos desencadeiam para uma culpa da personagem por se apaixonar e trair o marido com Ricardo. Numa conjuntura que prega por uma desconstrução e compreensão dos indivíduo que toparam entrar neste universo, a revelação entre os casais encarna em uma dinâmica bem tradicional de traição que culpa a mulher por tudo que aconteceu, enquadrando a personagem de forma opressora, pondo-a contra a luz, quase como um interrogatório, usando-a de peso narrativo do jeito mais insensível possível. Se a revelação provoca uma virada conservadora, a solução evidencia ainda mais essa presença reacionária, relacionando o perdão ao processo de paridade entre traições. É inegável a culpabilização da mulher na sociedade como um artifício para depravação. Por anos, a figura feminina foi vista como algo a ser contido dentro de cláusulas que beneficiassem a autoridade masculina e penalizava qualquer mulher que saísse dessas condições. Para quem se diz adepto a uma desconstrução do machismo, Marcelo Saback busca suas inspirações em uma versão abrasileirada de Adão e Eva, colocando a culpa do “pecado” em Emília e fazendo-a sentir o peso por desejar o fruto proibido.
No fim, o péssimo mal gosto do diretor para representar situações se encaixa no mesmo conservadorismo que vemos assombrar as instituições sociais. Colocar todo mundo no cinema, conversando e descobrindo que a empregada da casa assiste filmes iranianos e que “está cansada das besteiras do cinema brasileiro, ou o casal que largou o relacionamento aberto para se firmar, longe da sociedade contemporânea, conversa bem mais com o conservadorismo velado do que uma proposta progressista. As chanchadas tinham sua função no cinema brasileiro, já Dois Mais Dois parece mais um desserviço.