qui, 11 setembro 2025

Crítica | Dormir de Olhos Abertos

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Dormir de Olhos Abertos acompanha as histórias de três imigrantes chineses, Kai, Fu Ang e Xiaoxin, em uma grande cidade litorânea brasileira, subvertendo a lógica do turista e desejando acumular experiências ou somar destinos em sua lista pessoal, descobrindo que algumas dessas andanças podem levar a inúmeros destinos, inclusive a lugar nenhum.

Inicialmente, o filme da diretora alemã Nele Wohlatz acompanha os sentimentos da co-protagonista Kai (Liao Kai Ro) em uma jornada mais introspectiva durante sua viagem de férias para o Brasil, mudando de tom ao fazer a personagem conhecer o centro do Recife e seus inúmeros comerciantes chineses, estabelecendo um contato com Fu Ang (Wang Shin-Hong), dono de uma loja de guarda-chuvas que se vê sem esperanças em seu negócio. A expectativa de se tornarem amigos, porém, é frustrada quando Fu Ang fecha sua loja e deixa uma caixa repleta de cartões postais escritos por Xiao Xin (Xiao Xing Cheng), que detalha suas experiências na cidade pernambucana juntamente com um grupo de trabalhadores chineses que vivem em um prédio de luxo. Wohlatz, através de uma direção sensível que valoriza a perspectiva de seus personagens e desmitifica o orgulho de grandes cidades que se classificam como acolhedoras e simpatizantes com diferentes culturas, realiza uma obra repleta de sentimentos silenciosos, que pode soar diferente ou beirar ao entediante e o incompleto para alguns, mas que consegue falar bem sobre suas temáticas, longe de explicações detalhadas e expositivas.

Moldado e executado através de perspectivas – seja ela europeia, asiática ou sul-americana – que, de maneira inteligente e desafiadora se convergem para o ponto específico de explorar a ótica do imigrante chinês na tentativa de imergir na cultura recifense, Dormir de Olhos Abertos é uma reflexão urbana sobre adaptações e comparativos, funcionando tanto como um exercício social quanto uma análise critica de como a visão de uma comunidade estrangeira sobre determinado país e cidade está convicta da ausência de idealizações e que a imigração foi resultado de necessidades maiores.

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Imagem: Vitrine Filmes

O roteiro assinado pela própria realizadora Nele Wohlatz, em parceria com Pío Longo, abraça uma linguagem crítica discreta e menos expositiva amalgamada ao sarcasmo e ao humor ácido de produções pernambucanas que utilizam esses artifícios narrativos para tecer boas alfinetadas de maneira elegante e repleta de razão. Fica evidente a força inspiradora dos produtores Emilie Lesclaux e Kleber Mendonça Filho (Aquarius, Bacurau, O Agente Secreto) na caracterização do cotidiano urbano nas ruas do centro do Recife e o que acontece nos bastidores da cidade. Existe um resgate de tradicionalismos, como a questão dos contrastes sociais dentro dos polêmicos edifícios Píer Maurício de Nassau e Píer Duarte Coelho, chamados de Torres Gêmeas, e o famigerado episódio das células de dinheiro sendo jogadas do prédio, durante uma investigação da Polícia Federal. Porém, o que mais chama atenção, dentro desse sarcasmo na narrativa, são os diálogos dos personagens imigrantes que debocham da superioridade auto-imposta pelo brasileiro, que negam as semelhanças estruturais de nossas cidades com as do Oriente e frisam retrocessos urbanos que, por outro lado, nós alegamos não existir.

Essa desmistificação do orgulho e do bairrismo brasileiro faz sentido quando empregado na obra e, por mais que quiséssemos ver além, talvez uma maior abordagem dessa problemática romperia com o tom do filme. Porém, oportunidades para colocar a ousadia narrativa ainda mais em prática não foram escassas.

Imagem: Vitrine Filmes

A fotografia de Dormir de Olhos Abertos não poupa o foco na paisagem urbana do Recife, com leves contrastes para o mar e as ruas estreitas do adorado “vuco” do centro da cidade. As polêmicas Torres Gêmeas são retratadas sempre em ângulos e baixo para cima, como se estivesse sufocando a cidade e seus moradores, com seus interiores mostrados de maneira sombria e claustrofóbica. Com um elenco competente e bem participativo, o filme conta com um trio de protagonistas que se destaca: Liao Kai Ro, Wang Shin-Hong e Xiao Xing Cheng. O longa também apresenta talentos pernambucanos já conhecidos, como Rubens Santos e Paulo César Freire.

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Ao mesmo tempo moderado e desafiador, Dormir de Olhos Abertos possui o mérito de se provar fora do padrão, evitando colocar o estrangeiro imigrante como vítima de ataques xenofóbicos e optando por não exibir a violência gráfica que existe no discurso. A visão dramática de suas caminhadas, muitas delas que terminam sem um rumo certo, é o verdadeiro foco aqui, sendo assim, uma melancólica reflexão sobre chegar a lugar nenhum.

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