Raramente dou opiniões sobre documentários, justamente pois a ideia e lógica deles é simplesmente narrar fatos e acontecimentos, com olhares mais detalhados além da opinião pública. Com essa premissa o pensamento é somente entender como ocorreu ou ocorreram determinadas fatos, com versões laterais e opiniões dos agentes envolvidos. E aqui, terá muito pouco de opinião crítica sobre produção, direção e afins, e mais sobre o fato e meu sentimento sobre ele e como foi narrado.
Um documentário que conta sobre um crime hediondo é mais complexo ainda de ser comentado, justamente porquê o modelo narrativo da história pode vir a criar opiniões, não só para agregar conteúdo, mas também para “embelezar” os pontos a serem ligados.
Elize Matsunaga: Era Uma Vez Um Crime, que estreou a pouco na Netflix, narra, passo a passo, a história da mulher que matou e esquertejou seu marido Marcos Matsunaga, herdeiro da empresa Yoki, crime que ocorreu em 2012.
Na época, e eu me lembro do ocorrido, foi um dos maiores crimes do país, com total participação da mídia e um envolvimento muito grande na opinião das pessoas sobre quais eram os motivos e qual desfexo aquilo tudo daria.
Nascida no interior da Paraná, Elize se mudou para SP ainda jovem para fazer faculdade. Se tornou prostituta, e acabou conhecendo seu futuro marido como seu cliente. Marcos, como é citado no doc, já era muito rico, e apaixonado por Elize, se casou e deu uma “vida de princesa” para ela. Mas, o casamento começou a desandar quando Elize descobriu que Marcos a traía. Com o aumento frequente nas brigas, Elize matou e desmembrou Marcos, espalhando partes de seu corpo em diversos locais por uma mata em SP.
Esse é o relato resumido do crime à época, de conhecimento público. O que o documentário faz (e bem feito), é conversar com juízes, amigos, familiares e reviver cenas documentadas na época, inclusive com jornalistas, desde o início do “desaparecimento” até o resultado do julgamento em 2016. Isso por si só já deve ser muito doloroso para os envolvidos, por de alguma forma, reviver um trauma gigante de anos atrás.
O que me intriga, e como disse no início, é como o formato de filmagem tende a “embelezar” o conteúdo dos fatos. É notável que Elize, que gravou boa parte de tudo na sua “saídinha” de 2019, estava feliz em poder se mostrar e mostrar detalhes do ocorrido para as pessoas. Estava feliz em ser produzida para tal. Estava feliz em ter câmeras e atenção voltada para ela novamente. E isso é perigoso pois, a opinião de hoje é que ela foi apenas mais uma mulher vítima de traição e possível agressão que se defendeu pra se preservar. O doc mostra uma Elize frágil, de família humilde que só queria ser feliz, e em um momento de ódio, cometeu um dos maiores crimes do país.
O arrependimento, claro é mostrado com ênfase, mas é o mínimo que se pode querer de alguém que fez o que ela fez, mas ao que parece, acontece somente agora, anos depois. Nas cenas da reconstituição e nos detalhes que somente descobri no documentário, é difícil saber se os dias contados na prisão a fariam voltar no tempo e não ter feito tudo aquilo. O sentimento é que aconteceria, em 2012… ou depois.
E talvez vocês podem até concordar com a narrativa anterior, mas mesmo vendo o documentário, os detalhes e todo o ocorrido, não dá, em momento algum, em época alguma, a possibilidade de ter empatia por uma pessoa que matou, esquartejou e escondeu o corpo do próprio marido, e, antes de ser presa, ainda teve a frieza de simular que ele teria desaparecido com outra.
No fim, o documentário cumpre seu papel e adentra com detalhes nesse crime horroroso. Se após ver, você goste do documentário para enriquercer seu conhecimento dos fatos, essa é a melhor lógica.
Agora, se você discorda da minha falta de empatia em Elize, somente por esse documentário que a retrata menos como uma assassina cruel, e não releva os fatos; é também uma opção sua. Mas também é opção sua repensar seus critérios entre humanidade de pessoas e humanizar algumas pessoas.
Que ela, beneficiada pela Lei, possa em breve, de volta a sociedade, se alegrar menos de estar com holofotes voltados para si e construir um futuro anônimo de quem será sempre lembrada como uma das mais “famosas” criminosas do Brasil.